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Como Henry Rollins entrou para o Black Flag

 


O trecho abaixo foi retirado do livro “Get in the Van” escrito por Henry Rollins e lançado em 1994. Como o livro não tem uma tradução para o português, as linhas abaixo foram traduzidas de forma livre por mim. Espero que gostem.

 

Primavera (1981): Eu estava vivendo em um apartamento em Arlington, Virginia, bem perto de Washington, DC. Eu trabalhava numa sorveteria e caminhava até o meu trabalho todos os dias. Eu era o gerente da loja e trabalhava lá entre 40 e 60 horas por semana fazendo os depósitos, contratando, despedindo, fazendo inventário, servindo sorvete, etc.

Eu estava numa banda naquela época. Nada muito musical. Quatro de nós com um equipamento de merda, mas a gente se divertia tocando e ensaiando.

Um cara chamado Mitch Parker deu para mim e para o meu amigo Ian MacKaye uma cópia do EP do Black Flag Nervous Breakdown. Nós tocámos ele o tempo todo. Era pesado. A arte da capa dizia tudo. Um cara com as costas para a parede erguendo os punhos. De frente para ele outro homem afastando-o com uma cadeira. Eu me sentia como o cara de punhos erguidos todos os dias da minha vida.

Black Flag logo se tornou a minha banda preferida. Histórias dos shows da banda em Los Angeles eram legendárias na Costa Leste. Eles tinham sua própria gravadora, chamada SST, e não levavam desaforo para casa.

Ian ligou para a SST e falou com o baixista da banda, Chuck Dukowski. Ele contou para Ian sobre a turnê que estava se aproximando e deu para ele as datas na Costa Leste. Eles tinham datas agendadas para Nova York e Washington, DC. Nós íamos ver os poderosos Black Flag. Um grupo nosso foi para Nova York ver a banda tocar pois a gente não conseguia esperar para ver eles tocarem em DC e a gente conclui que quanto mais a gente visse a banda, melhor.

Então a gente dirigiu até NYC e vimos a banda no Peppermint Lounge. Eu nunca vou esquecer como eu estava excitado quando eles entraram no palco. Chuck Dukowski estava lá, andando em círculos, batendo no seu baixo e fazendo todo tipo de som fodido e gritando para o público. Eles ainda não tinham tocando uma nota, mas já era uma viagem. Eu acho que ele começaram com “I’ve Heard It Before.” O lugar explodiu. Todas as músicas eram abruptas e esmagadoras.  Raios curtos de intensidade inacreditável. Eu nunca tinha visto alguém tocar daquela maneira. Parecia que eles estavam tentando se quebrar em pedaços com a música. Era uma das coisas mais poderosas que eu já tinha visto. Nenhum segundo foi perdido. As músicas eram desprovidas de preenchimento. A urgência da música e a performance foi perturbador. Me fez pensar de qual planeta eles tinham vindo. Eu queria me mudar para lá imediatamente.

Depois do show, a gente saiu para curtir com a banda por um tempo e eles foram bem legais com a gente. Eu quero dizer, bastante. Eu gostei e respeitei eles.

Alguns dias depois eles vieram para DC para tocar no clube 9:30. De novo eles foram ótimos e o lugar explodiu quando eles começaram a tocar. Eu gostei mais desse show pois eles tocaram dois sets e eu consegui escutar todas as músicas deles.

Eles ficaram na casa do Ian depois do show e foram embora na manhã seguinte. Eu me lembro de ver a van deles ir embora pela rua e querendo estar nela. Era incrível para mim como eles chegavam, tocavam, se divertiam com o pessoal da cidade e depois iam embora para a próxima aventura. Eu tinha que me aprontar para ir trabalhar. Enquanto eu caminhava colina a baixo para uma noite longa no trabalho, eu comecei a ficar deprimido. Black Flag era um bando de caras que estavam improvisando e tentando fazer alguma coisa de suas vidas. Eles não tinham uma renda fixa e viviam como cachorros, mas eles estavam vivendo a vida com mais coragem do que eu, de longe. Eu tinha uma renda fixa e um apartamento e dinheiro no banco. Mas eu também tinha um emprego no qual gritavam comigo quando as coisas não davam certo. Eu tinha que estar lá o tempo todo. Eu via as mesmas ruas e pessoas todos os dias. Andar até o meu emprego tomou muito do meu tempo.



Depois de passar um tempo com os caras do Flag, eu vi que existia muito mais por aí para ser visto e para ser feito e eu não pensei que eu ia fazer qualquer coisa do tipo. Naquela noite no trabalho tudo pareceu sem sentido. Eu sabia que de alguma forma eu estava desperdiçando a minha vida. Eu tive um ataque de pânico leve. Eu tive um vislumbre de algo que fez impossível eu me enganar. Eu desejei que isso não abrisse tanto os meus olhos e me fizesse ver tão claramente. Eu vi a minha vida se alongando na minha frente. Mesma cidade, mesmas pessoas, tudo igual. A sensação era que eu estava amarrado e sendo surrado pela vida. Eles tinham coragem. O jeito como eles estavam vivendo ia contra tudo aquilo que eu tinha sido ensinado que era certo. Se eu tivesse escutado o meu pai, eu teria entrado para a Marinha, servido e ido direto para o mundo sem uma reclamação. Eu não estou dizendo que isso não é válido, mas não é uma vida para todo mundo.

Chuck Dukowski me deu a fita demo com algumas músicas que ainda não tinham disso lançadas pelo Black Flag. Toda manhã antes de ir para o trabalho eu tocava essa fita. “Damaged I”, “Police Story”, “No More”, e a versão deles para “Louie Louie”. Eu amei e detestei aquela fita. Eu amei, pois, as músicas eram ótimas e as letras estavam dizendo o que eu sentia. Eu odiei pois eu queria ser o vocalista. Dez, que era o vocalista na época, era ótimo, mas eu ainda conseguia me imaginar fazendo aquilo.

O Black Flag veio para a Costa Leste de novo em junho. Eles tocaram em Nova York no dia 27 de junho no Irving Plaza. Bad Brains e UXA tocaram também. Eu fui para ver eles. Eu cheguei lá cedo e me encontrei com o Greg e o Chuck. Eu curti com eles a maior parte da tarde. Eles foram incríveis naquela noite. Depois do show, a banda desceu a rua para ir num clube chamado 7A, para tocar mais. Eu fui junto.

O sol já estava nascendo e eu tinha que estar no trabalho em seis horas. Eu tinha uma viagem de cinco horas para fazer. Hora de ir embora. Eu fui até o palco e pedi para eles tocarem “Clocked In” para eu ir embora. Dez disse, “Essa se chama ‘Clocked In’. É para o Hank pois ele tem que ir para o trabalho agora.”

Eu olhei para o Dez e para o microfone e ele apenas deu o microfone para mim. Eu subi no palco e cantei a música. Eu não sei o que me fez fazer aquilo. Óbvio que foi divertido e Dez pareceu não se importar. Eu fui embora do clube e voltei para casa. Eu fui direto para o trabalho sem dormir. Eu não precisava de sono. Eu ainda estava ligado por ter cantado com o Black Flag. O fato de ter subido no palco e sentir o gosto de como era fazer parte daquela banda já era o bastante para mim.

Alguns dias depois eu estava trabalhando na sorveteria e o telefone tocou. Era o Dez. A banda estava em Nova York tirando alguns dias de folga e eles queriam saber se eu queria ir para lá tocar com eles. Eu não entendi o aquilo significava, mas era o Flag falando então eu fui. Eu voltei para o meu apartamento e liguei para o Ian e expliquei para ele que eu achava que estava sendo chamado para fazer uma audição para o Black Flag. Depois disso o meu companheiro de quarto entrou e me perguntou o que estava ocorrendo e eu disse para ele que eu tinha que ir para Nova York pois talvez eu fosse chamado para integrar o Black Flag. Ele achou que eu estava mentindo. Claramente parecia mentira. Eu andei até a estação de trem pois não estava muito afim de pegar um taxi. Fui uma caminhada longa e foi uma boa chance de pensar em tudo. Eu pensei que era melhor não ficar com as esperanças tão altas. Eu peguei um trem cedo e adormeci.

Na manhã seguinte nós todos formas para o Odessa, um restaurante no East Village. Eu perguntei para eles o que estava rolando. Greg me disse que Dez queria tocar guitarra e eles estavam procurando por um vocalista, já que Dez não ia mais fazer esse papel. Eu gostaria de tentar? Eu não conseguia acreditar no que eu estava escutando.

A gente foi até o espaço de ensaio, Mi Casa, e colocamos tudo em ordem. De repente eu estava na frente deles com o microfone na mão. Greg me perguntou qual música eu queria tocar primeiro. Eu pensei que talvez isso era um sonho. Por um segundo eu não pensei que estava ali. Eu disse para ele “Police Story”. Era como se eu tivesse ligado o interruptor numa máquina de ódio. A banda inteira meio que recuou e cambaleou para frente e eu escutei o feedback de Ginn e do nada a gente estava na música. Nós tocamos todo o material. As letras que eu sabia, eu cantei. As que eu não sabia, eu inventei. Nós fizemos dois sets. No final, todos nós meio que olhamos um para o outro. A banda foi até o fundo para conversar e eu sentei no chão da sala de ensaio e esperei. Eles voltaram e Chuck disse, “Então?”, eu disse, “Então o que?” “Você vai fazer parte ou não?” Eu tinha conseguido a vaga. E isso foi mais ou menos assim como eu entrei no Black Flag.



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