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Ricardo e Vânia: um relato sincero e verdadeiro




Certo dia quente de fevereiro, enquanto estava a caminho do Centro Cultural Banco do Brasil aqui de São Paulo, me deparei na internet sobre o lançamento do livro “Ricardo e Vânia” do jornalista Chico Felliti. Apesar de não conhecer o trabalho do Chico, fiquei extremamente intrigado sobre o assunto do livro: a história do “Fofão da Augusta”.

No ano de 2017 o jornalista publicou no portal BuzzFeed uma excelente reportagem a respeito de Ricardo Corrêa da Silva, mais conhecido como “Fofão da Augusta”. Algo que infelizmente passou batido por mim na época. Ricardo era um morador de rua que tinha uma aparência peculiar e assustadora para muitos, já que ele tinha as bochechas preenchidas com meio litro de silicone, e faleceu no mesmo ano em que a matéria foi publicada, após uma parada cardíaca. Ele tinha 60 anos.



Na matéria, Chico conta a história de vida de Ricardo, tentando entender um dos personagens mais emblemáticos e peculiares da cidade de São Paulo nas últimas décadas. Apesar de longo, o texto viralizou na internet e rendeu vários elogios por conta da profundidade da investigação e da sensibilidade ao tratar da vida de Ricardo. A história rendeu para o jornalista o Prêmio Petrobras de Jornalismo na categoria Inovação.

Contudo, durante as investigações, Chico não conseguiu encontrar o grande amor da vida de Ricardo, um homem que também teria injetado silicone no rosto. Com a publicação da reportagem e a consequente viralização dela, enfim esse mistério teve uma resposta em formato de livro.

Lançado neste ano por Felliti através da editora Todavia, “Ricardo e Vânia” fala sobre a vida do “Fofão da Augusta” e de seu companheiro durante alguns anos, Vagner, hoje conhecido como Vânia Munhoz. Em quase 200 páginas, o repórter consegue preencher a lacuna que faltava na fantástica história de vida de Ricardo Corrêa da Silva.



Chico, através de mensagens pela internet, conseguiu contato com Vagner e viajou para Paris para conhece-lo. Com a companhia de sua mãe, a escritora Isabel Dias, ambos conviveram por alguns dias com outro personagem incrível.

Morando na França desde 1989, Vânia, como agora é conhecida, fez a vida como garota de programa, algo que ela diz que está parando aos poucos. Quer voltar a ter um salão de beleza.

Sua sinceridade no livro sobre o dinheiro que ganhou com a profissão, as viagens que fez, a prisão por tráfico de pessoas, o preconceito por conta da aparência física e, principalmente o relacionamento com Ricardo é algo que toca fundo na alma. Além disso, a maneira como o autor relata é de uma sensibilidade incrível. Chico conta a história como ela é, sem tentar fazer julgamentos de valor sobre as ações e atitudes de seus personagens.

Com um dom para achar e contar histórias de vida ímpares, o autor vai bem fundo nas origens dos dois personagens e assim se depara com diversos outros que fazem dessa obra um dos principais livros deste ano. Acho muito difícil ele não figurar nas listas de melhores de 2019.



Algo que me chamou muito a atenção em “Ricardo e Vânia” é como Chico, através da história de dois homossexuais que injetaram silicone na face, faz uma grande reflexão sobre o nosso país e a nossa gente. Tudo aquilo que é estranho e a gente não consegue conviver é marginalizado. Alguns, como no caso de Vânia, se auto exilam em outro país e usam o corpo para ganhar dinheiro, e outros, como Ricardo, são empurrados para uma vida perigosa nas ruas das grandes capitais.

Para alguém com uma mente mais fechada e conservadora, o livro pode parecer sujo e pesado, porém se analisarmos mais a fundo, deixando nossos preconceitos de lado, esse maravilhoso relato é mais sobre como temos que aceitar as diferenças que existem entre nós e deixar o amor prevalecer. Ninguém é melhor ou pior que ninguém por conta da aparência, credo, cor, orientação sexual, ou qualquer outra desculpa que exista para o preconceito.



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