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Uma noite no Clube da Esquina




No fim do ano passado, fiquei muito surpreso ao descobrir que o grande Milton Nascimento estava preparando algo para celebrar os discos do Clube da Esquina. Não sei exatamente a razão, mas passei o ano de 2018 altamente influenciado pelo som desses álbuns. Para quem não sabe, o primeiro disco, lançado em 1972, catapultou uma galera de Minas Gerais para os holofotes da MPB. Influenciado por uma penca de sons, de Beatles até o jazz de Coltrane, “Clube da Esquina” e “Clube da Esquina II” são um exemplo de como a música brasileira é rica e, ao contrário da opinião de uma meia dúzia de idiotas, consegue competir em pé de igualdade com o que é feito no exterior.

Com uma turnê passando pelas principais praças do país (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, etc.) e algumas cidades no exterior (Londres, Lisboa, Madri, etc.), a compra de ingressos foi altamente concorrida. Por exemplo, em São Paulo, Milton teve que adicionar duas datas extras para o show que estava marcado para o dia 27 de abril. Com sorte, consegui ingresso para o terceiro show, no feriado do dia do trabalhador, 1º de maio.

Com um Espaço das Américas lotado, o show marcado para as 20 horas teve um pequeno atraso de meia hora, e, aos sons de “Milton! Milton! Milton! ”, o eterno Bituca surge com a maravilhosa “Tudo que você podia ser”, faixa que abre o disco de 72. Emoção pura! Como prometido por Milton, o show passa por grandes momentos dos dois Clubes e dois álbuns que ele gravou entre ambos, Minas (1975) e Geraes (1976).



A presença de Milton no palco é algo ímpar. Apesar de passar 90% do tempo sentado, o já senhor de 76 anos não perde o bom humor e a energia. Em vários momentos do show ele fez diversas referências ao pessoal do Clube da Esquina, como os irmãos Borges, contando algumas histórias do começo dos anos setenta. Bituca sabe como emocionar e transformar a energia do público em um afeto que é palpável no ar. Não tem como negar que ele é um dos gigantes não apenas da nossa música tupiniquim, mas também mundial.

Com uma bela imagem de fundo da dupla paulista Os Gêmeos recriando a capa do primeiro Clube e uma banda azeitada, “Maria Maria”, com a participação da cantora Maria Gadú, foi um dos pontos altos da noite. Além dessa canção, a paulista de 32 anos também participou de “Paisagem na janela”, “O trem azul” e, para finalizar essa noite mágica, “Paula e Bebeto”. Foi lindo.

Apesar de ter sido uma noite recheada de boas recordações, uma coisa me incomodou durante quase as duas horas de apresentação. Quando Bituca anunciou essa turnê, acreditei que iria ver versões fieis das músicas que compõem o repertorio do Clube. Porém isso não acontece em algumas ocasiões. É compreensível, já que Milton não é mais um moço de Belo Horizonte com seus 30 anos e cheio de sonhos, e algumas canções necessitam demais de sua voz. Acho que seu companheiro, Lô Borges, fez um trabalho mais interessante na série de shows em que ele cantava na íntegra seu primeiro disco solo, que ficou conhecido pelo nome de “Disco do tênis”, e algumas joias do Clube de 1972. Vale a pena conferir o DVD que ele lançou no ano passado com seu show no Circo Voador.

Milton do Nascimento, que Elis Regina dizia que se Deus tivesse uma voz seria igual a dele, é incomparável. Artistas do quilate dele, Caetano, Chico e Gil não fazem shows ruins. Um pode ser melhor ou inferior do que o outro, mas esses caras não conseguem colocar o nome deles em algo que não vai corresponder às expectativas. Portanto, se eu fosse você caro leitor tentaria arrumar um ingresso e conferir um dos nossos imortais na turnê mais importante de 2019. Dane-se Sandy e Junior, Los Hermanos, “the real deal”, como os americanos dizem, é Milton Nascimento.



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