Pular para o conteúdo principal

O dia em que Jards Macalé revirou o meu cérebro




Há alguns anos atrás, acredito que foi no final de 2017, eu fui assistir ao show solo do novo queridinho da turma indie, o Tim Bernardes da banda Terno. Na ocasião ele tocou no auditório do MASP na capital paulista. O show foi repleto de músicas do disco que ele estava lançado, o ótimo Recomeçar (2017), e de covers, incluindo uma que chamou muito a minha atenção, “Soluços” de um tal de Jards Macalé.

Obviamente que quando eu cheguei em casa fui atrás de mais informações sobre esse cara e colocar um rosto nesse nome. Na minha breve pesquisa descobri que ele nasceu em 3 de março de 1943 no bairro da Tijuca na cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Ganhou notoriedade nos anos sessenta quando nomes do quilate de Elisete Cardoso e Nara Leão gravaram composições suas e quando ele, no início da década de setenta, trabalhou com a fantástica Gal Costa e com o genial Caetano Veloso.

Uma observação pessoal, fiquei surpreso ao saber que ele fazia parte da banda que gravou o meu disco favorito do Caetano, Transa de 1972.

Inquieto como só ele, Macalé lançou em março deste ano o elogiadíssimo Besta Fera, seu primeiro trabalho de inéditas em 20 anos (!!!). Como parte da turnê de divulgação, o músico fez dois shows no teatro do Sesc Pompeia no último sábado (8) e domingo (9). Com ingressos concorridos, tive a sorte de garantir um assento na apresentação do domingo às 18 horas, horário de Brasília.



Para ser muito sincero, não sabia o que esperar da apresentação dele. Com 76 anos na costa, é de se esperar que alguns artistas já não tenham mais a mesma energia que possuíam décadas atrás. Normal, faz parte de algo que chamamos de “envelhecer” e alguns grandes nomes conseguem fazer isso dignamente, como no caso de um cara que eu já citei nesse texto, Caetano Veloso.

Mas no caso de Jards, acho que a idade está fazendo muito bem para ele. Com um show de quase duas horas de duração e recheado de músicas de seu último trabalho, o Sesc Pompeia aplaudiu todas as músicas de seu repertório com muito entusiasmo e aos sons de “Mito!”, ao qual o músico devolveu o elogio. Fiquei muito surpreso e alegre ao ver na plateia uma galera que não era nascida na época em que Macalé fez o seu nome na MPB. Isso me dá um pouco de esperança de que uma nova geração está descobrindo a história da nossa música e prestigiando ela.



Iniciando o show com “Vampiro de Copacabana”, e terminando o show com a mesma canção, dois momentos marcaram a apresentação dele no domingo. O primeiro veio quando ele tocou “Gotham City”. Essa música, ele contou, foi apresentada em 1969 no 4.º Festival Internacional da Canção, gerando vaias da plateia. Para “comemorar” os 50 anos desse momento, Jards Macalé, como só ele poderia fazer, pediu para que o público o vaiasse intensamente ao fim da música. Pedido atendido com gosto pelos fãs. Acho que isso diz muito sobre ele. Um cara, como eu já disse, inquieto, que não se acomoda e tem prazer em levar a música ao limite.

O segundo momento, no qual eu cito por conta do lado pessoal e afetivo, foi quando ele mandou “Soluços”, a mesma que fez eu descobrir sua música dois anos atrás. Como eu não tinha checado quais eram os sons que ele estava tocando nessa nova turnê, me surpreendi quando escutei os primeiros acordes. Visceral e pesada como eu tenho na minha cabeça, os versos de “não olhe para mim, eu posso chorar” fazem muito mais sentido hoje.



A música de Macalé para mim é uma grande mistura de Frank Zappa, com free jazz e muita música brasileira. Algo totalmente fora da caixinha e que ele mostra com maestria em cima do palco. Com uma ótima banda de apoio para acompanhar ele nessa “experiência”, definitivamente Jards me mostrou por qual motivo ele continua sendo reverenciado por uma trupe que gosta de música boa.

Sim, caro leitor, dia 09 de junho de 2019 foi o dia em que Jards Macalé revirou o meu cérebro. Recomendo que ele revire o seu também.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Muito Sexo, muitas drogas e muito, mas muito Rock 'n' Roll na Netflix

Em maio de 2001 foi lançada uma das melhores e mais aguardadas autobiografias sobre uma banda de rock. Em mais de 400 páginas, “The Dirt: Confessions of the World's Most Notorious Rock Band” conta, através da visão de Tommy Lee, Mick Mars, Vince Neil e Nikki Sixx, a história de uma das bandas mais insanas dos anos oitenta, o Mötley Crüe. O sexo, as drogas, as brigas, as prisões, o sucesso, a decadência, tudo está nessa obra que é extremamente bem-acabada graficamente.     O papo para tornar todas essas páginas em filme começou em 2006, quando a Paramount e a MTV adquiriram os direitos para a adaptação nas telonas. Porém as coisas enfriaram e, com o fim da banda (será?!) em 2015, os rumores de que a história da banda poderia de uma vez por todas ser lançada voltou à tona. Com o sucesso no ano passado de “Bohemian Rhapsody”, o filme que conta a vida do Queen, a plataforma digital de streaming de filmes e séries Netflix lançou no dia 22 de março “The Dirt”, dirigido por

Como Henry Rollins entrou para o Black Flag

  O trecho abaixo foi retirado do livro “Get in the Van” escrito por Henry Rollins e lançado em 1994. Como o livro não tem uma tradução para o português, as linhas abaixo foram traduzidas de forma livre por mim. Espero que gostem.   Primavera (1981): Eu estava vivendo em um apartamento em Arlington, Virginia, bem perto de Washington, DC. Eu trabalhava numa sorveteria e caminhava até o meu trabalho todos os dias. Eu era o gerente da loja e trabalhava lá entre 40 e 60 horas por semana fazendo os depósitos, contratando, despedindo, fazendo inventário, servindo sorvete, etc. Eu estava numa banda naquela época. Nada muito musical. Quatro de nós com um equipamento de merda, mas a gente se divertia tocando e ensaiando. Um cara chamado Mitch Parker deu para mim e para o meu amigo Ian MacKaye uma cópia do EP do Black Flag Nervous Breakdown . Nós tocámos ele o tempo todo. Era pesado. A arte da capa dizia tudo. Um cara com as costas para a parede erguendo os punhos. De frente para ele ou

Dicas de quarentena #147: Lô Borges tocando disco do tênis na íntegra!

  Lô Borges foi um dos principais nomes que surgiram por conta do disco Clube da Esquina de 1972. Seu autointitulado álbum de estreia, mais conhecido como “disco de tênis”, é considerado por muitos críticos e fãs com um dos grandes álbuns da história da nossa música. Em 2018, Lô reuniu uma banda de primeira para recriar esse trabalho ao vivo. Abaixo você confere o show que rolou no icônico Circo Voador e que gerou o DVD “Tênis + Clube - Ao Vivo no Circo Voador":