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Depois de 30 anos, o Brasil do Ratos de Porão continua igual




Com três discos no currículo, e se aproximando cada vez mais do metal, os “traidores do movimento punk”, Ratos de Porão, lançaram em 1989 o genial quarto disco do catalogo dos caras, Brasil. Só para você, caro leitor, entender o contexto em que essa obra prima foi gravada, o país estava saindo de um regime militar que tinha durado cerca de 20 anos e com mais de 400 mortes e desparecidos nas costas, além de diversos torturados – não importa o que o nosso presidente tente dizer, ou passar pano, isso é um fato e não uma opinião. Portanto, era o momento ideal para o maior nome do underground brasileiro intensificar as críticas sociais tão fortes que já vinham desde a estreia da banda.

João Gordo e companhia voaram para Berlim, Alemanha, e, segundo eles próprios, sofreram nas mãos do produtor Harris Johns. Brasil foi gravado pela formação clássica do grupo, Gordo nos vocais, Jão na guitarra, Jabá no baixo e Spaghetti na bateria, e conta com duas versões, uma em português, claro, e outra em inglês, para o mercado internacional. A capa, um desenho mordaz do cartunista Marcatti, é um reflexo das letras do disco. Florestas tropicais pegando fogo ("Amazônia Nunca Mais") e um tanque de guerra com um exército marchando atrás ("Máquina Militar"), são algumas das referências que você pode encontrar nessa belíssima arte.

Completando 30 anos do seu lançamento, o quarteto está rodando pelo país tocando esse trabalho na íntegra. Algo imperdível para quem gosta de música pesada, na minha opinião. Nos dias 01 e 02 de agosto, com ingressos esgotados, eles estiveram no Sesc Pompeia, com abertura do trio santista Surra. Aqui eu conto um pouco para você sobre o show da quinta-feira.

Com uma noite agradável em São Paulo, por volta das nove horas da noite, era possível ver vários punks e metaleiros nos arredores da rua Clélia, número 93, para uma noite de esporro no ouvido. Camisetas pretas, tachinhas nas roupas, coturnos e a frase “punk is not dead” na camiseta de um fã, é a definição perfeita do que esperar para o show de hoje. Ao adentrar a comedoria do Sesc, a primeira visão que eu tive do palco foi a arte do disco Brasil no fundo do palco, atrás da bateria. É uma imagem forte e, infelizmente, continua muito atual.



As 21 horas e 35 minutos, o Surra subiu ao palco e tocou por volta de 40 minutos um show absurdo de rápido e brutal. Com Leeo Mesquita (vocal e guitarra), Guilherme Elias (baixo e vocal) e Victor Miranda (bateria), os caras estavam lançando seu novo disco, “Escorrendo pelo Ralo”. Fazendo parte dessa nova leva de bandas de metal brasileiro, o Surra traz influências de bandas de trash, death, black e, até mesmo, do Ratos de Porão. Pela ótima reação do público, o grupo ganhou alguns fãs nessa noite.

Com alguns minutos de intervalo entre as duas bandas, algumas pessoas foram atrás de mais uma cerveja gelada, outras foram ao banheiro e algumas se posicionaram mais perto do palco para presenciar o grande evento da noite. O primeiro a entrar no palco é o baterista Boka, logo em seguida o baixista Juninho com sua tradicional camiseta vermelha do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), depois um dos maiores guitarristas do hardcore brasileiro, Jão, e por último, mas não menos importante, o imortal vocalista João Gordo.



Foram cerca de uma hora de puro assalto sonoro. Parece que o Brasil retratado no disco, e o dos dias atuais, mesmo com três décadas de diferença, continuam iguais. Não há como não lembrar da situação do desmatamento de nossas florestas, que, segundo o nosso presidente da república não existe, quando Gordo canta “o fogo queima tudo que sobrou, infelizmente, Amazônia nunca mais! ” na pedrada que abre o disco. Ou mesmo nos versos de “Retrocesso” (“o tempo vai retroceder, o DOI-CODI vai voltar no Brasil”) quando lembramos que Jair Bolsonaro constantemente exalta o regime militar.

Após a execução na íntegra de Brasil, o Ratos voltou e tocou mais alguns clássicos, como a viciante “Crucificados pelo Sistema” de 1984.

Em atividade desde o começo dos anos oitenta, o Ratos de Porão não perdeu a agressividade e o talento de fazer música rápida. Sim, alguns membros já passaram dos 50 anos, tem filhos, caso de João Francisco (Gordo) e João Carlos (Jão), mas eles continuam respirando música extrema. Talvez seja a “droga” que mais faça bem para eles e para os seus fãs, claro.

Para quem tem um pouco mais de senso crítico, e não acredita em Messias que possam salvar o nosso país de um “mau” que já não existe mais desde que um certo muro, na cidade em o disco que neste ano comemora trinta anos, caiu, os versos pessimistas de “Terra do Carnaval” ficam na minha cabeça enquanto eu volto para casa de ônibus.

“O Brasil vai melhorar, mas eu acho que não vai! ”



Fotos: página do Facebook do Sesc Pompeia.

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