Matthew Barton considera
a transformação muitas vezes carregada do projeto de despedida de Mingus nas
mãos da iconoclasta Joni Mitchell
“Charles
Mingus, um mito da música, morreu no México, em 5 de janeiro de 1979 aos 56 anos.
Ele foi cremado no dia seguinte. Naquele mesmo dia, 56 baleias encalharam na
costa mexicana e foram removidos pelo fogo. Essas coincidências empolgam a
minha mente”
Assim
você pode ler no LP de 1979 de Joni Mitchell que carrega o nome de Mingus, como
uma marca do tipo de coincidências e reviravoltas excêntricas que caracterizam
esse projeto tão incomum. Mingus, um
tipo novo e estranho de colaboração no qual completou 40 anos no mês passado, é
algo atípico na carreira de Mingus e Mitchell; uma colcha de retalhos de áudio
não ortodoxa da fusão acústico-elétrico, demos esqueletais e trechos de
diálogos que de alguma forma está fora de sintonia com as imensas conquistas de
Mingus no jazz e também uma curiosidade no cânone de Mitchell, apesar de ser o
fim da linha de inspiradas gravações esotéricas de jazz.
“Eu acho que poesia é tipo
abrir flores com as suas unhas para tirar a carne de lá. É muito trabalho para
pouca recompensa, na maioria dos casos”
Enquanto
a associação de Mitchell com o jazz foi muito criticada na mídia especializada
de rock por escritores que acharam ela muito experimental, que desafiava a
categoria de forma presunçosa, foi o próprio Mingus que instigou o projeto. Morrendo
por conta de ALS (esclerose lateral amiotrófica, na tradução para o português),
Mingus estava fixado na ideia de um projeto final, um tipo de epitáfio, mas ele
sabia que precisava de uma luz guia para enxergar até a sua concretização.
Introduzido
ao trabalho de Mitchell por Daniele Senatore, Mingus e sua esposa Sue decidiram
pela ideia de Mitchell, na época com 34 anos e mostrando uma explosão artística
sem precedentes que nem sempre foi recebida com comentários gentis, como a
pessoa para trazer as suas soltas ideias para a vida. O amor fulminante pela
recente música de Mitchell “Paprika Plains”, um épico de 16 minutos em forma
livre, foi usado por Mingus para atrair o seu interesse por ela, mas foi
provavelmente sua audaciosa interpretação como um negro cafetão tipo Art
Nouveau na capa do disco de 1977 Don Juan’s Reckless Daughter que chamou mais sua curiosidade.
Aconselhado
por Sue, Mingus entrou em contato com Mitchell ele próprio e apresentou a ideia
para a canadense de nascimento, compositora que reside em Los Angeles, tão
adepta de um tipo único de frase, em estabelecer The Waste Land de T.S. Eliot para uma linguagem
moderna.
Provavelmente não é uma surpresa que o disco que
virou Mingus
soe tão estranho e inusitado quando se considera quem nem Mingus nem Mitchell
estavam particularmente familiarizados com o trabalho do outro. Muitas vezes,
bizarras circunstâncias como essas, no qual dois gigantes em suas respectivas
áreas mal conhecem as conquistas do outro, criam um fluxo mais aberto de
criatividade. Mingus talvez conhecesse pouco sobre Mitchell, além da sua imagem
errônea como uma “folk acústica” imprudente o suficiente para experimentar
estruturas de jazz e acordes, e Mitchell, enquanto “honrada” em ser convocada,
não estava intimidada pela reputação de Mingus, conhecendo pouco de sua música
como ela conhecia. O testemunho de seu baterista John Guerin foi o suficiente para
convencer ela do projeto.
Porém a ideia inicial de Mingus de destilar Four
Quartets,
um trabalho profundamente espiritual, mas pastoral, de renascimento, redenção e
elogio religioso, na forma de música, não encantou exatamente Mitchell. “Havia
muita pseudoprofundidade, vários jogos de palavras complicados, mas não muita
carne”, ela disse, como citado no livro de David Yaffe Reckless
Daughter.
“Eu acho que poesia é tipo abrir flores com as suas unhas para tirar a carne de
lá. É muito trabalho para pouca recompensa, na maioria dos casos. Mesmo os
santos entre eles. Eu não vi que tinha algum tipo de grande penitência a
situação de Charles”.
A ideia de Mingus era de um ator inglês recitasse
passagens de Four Quartets, enquanto Mitchell, brandindo
seu violão que ela vinha submergindo lentamente em seu próprio trabalho, o
traduziria para o “vernáculo". Como ela atestou, “aparentemente, em
algumas igrejas, você tem o cara lendo o texto ‘você, tu’ e outro colocando a
linguagem da rua ou do bebop. E ele queria que eu tocasse violão. Ele era um
cara acústico. Ele era um folk no jazz. Ele não gostava de jeito nenhum do jazz
elétrico”.
Curiosamente para uma compositora tão admirada e
renomada por suas abstratas e poéticas letras, Mitchell não gostava de poesia
enquanto Mingus gostava. Ele tinha, apesar de tudo, alistado Allen Ginsberg
para se apresentar na cerimônia de seu casamento com Sue, se apresentar com o
poeta beat Kenneth Patchen, e tinha escrito músicas para acompanhar os textos
de O’Hara e D.H.
Lawrence. Resumindo, Mingus era um cara das palavras; sua escolha por Mitchell
para escrever seu epitáfio assumiu uma ressonância muito maior.
Mitchell, em contraste com sua
antiga reputação de séria por folk, era fanática por jazz
De sua parte, Mitchell, em contraste com sua antiga
reputação de séria por folk, era fanática por jazz – ela falou em entrevistas
sobre Miles Davis (e tinha o bom senso de apoia-lo) e aprendeu a cantar com os
discos de Duke Ellington e Billie Holiday com a adição do vocalize de Lambert,
Hendricks & Ross. Enquanto os primeiros álbuns de Mitchell tiveram as
marcas de suas raízes nas cenas de clubes de folk de Toronto e Nova Iorque,
embora com afinações e progressões de acordes assumidamente mais sofisticados,
havia sempre uma tendência pelo jazz; nas gravações nascentes da música “The Arrangement”
do disco de 1970 Ladies
Of The Canyon,
ela flerta com um piano-jazz não ortodoxo, e em “Conversation”, “For Free”, e “Cold
Blue Steel and Sweet Fire” do trabalho de 1972 For The
Roses, ela adiciona
cores de sopro e sax em sua paleta de quase folk.
Em Court And Spark de 1974 e especialmente em The
Hissing Of Summer Lawns de
1975, as cores de jazz se tornaram integrais em oposto do acentual – Mitchell
incluiu suas próprias versões de “Twisted” de Lambert, Hendricks & Ross
nesses trabalhos, como se estivesse voltando para casa. Mas é mais do que “Joni
Faz Jazz”. O canto em músicas como “Edith” e “Kingpin” exibem um toque real de
textura e tom, e uma sensibilidade lírica de acordo com a nata dos vocalistas
de jazz.
Mas foi com Hejira de 1976 em que a roupagem do jazz
realmente começou a servir em suas músicas. Hejira é um grande longo poema de humor,
uma névoa espectral que conecta jazz fusion com folk de uma maneira única e
nova – na maior parte, claro, são as músicas de Mitchell que fazem isso. Mas
com esse disco, Mitchell foi mimada com os melhores virtuoses do jazz que
conseguiam viajar com suas canções de viajem e isolamento. No topo da lista
estava Jaco Pastorius de Miami (na foto com Mitchell), o mestre do fretless no
baixo, e discutivelmente a chave para o som de Hejira e sua sequência, o vivo e
voluptuoso álbum duplo Don Juan’s Reckless Daughter de 1977. “Jaco estava fazendo tudo
que eu estava desejando – e então alguns,” ela lembrou em 2004.
Charles Mingus estava escutando.
Eles se conheceram pela primeira vez em Nova
Iorque. Mingus, encarando o rio Hudson numa cadeira de rodas, se virou e
Mitchell lembra da cara que “brilhou com uma malícia alegre. Gostei dele
imediatamente”. Mingus foi brincalhão, com uma observação bem-humorada para
Mitchell sobre uma sessão de cordas foram de sintonia em “Paprika Plains”. As cordas
tinham sido gravadas em duas sessões diferentes, com meses de diferença, e
unidas depois, e Mitchell gostou de sua orelha afiada por notar essa
disparidade.
Mingus aceitou, com graça, a rejeição de Mitchell
do seu conceito de Eliot e, em vez disso, nessa cúpula de Nova Iorque,
apresentou seis composições que levavam seu nome – Joni I até Joni VI. Mingus
compôs cantando as melodias em um gravador e tendo o arranjador Sy Johnson
colocando os acordes. A tarefa de Mitchell, que não foi perdida para ela, mesmo
na época, era de achar não apenas as letras, mas letras que transmitiriam os
últimos desejos de Mingus para seu último projeto.
Mitchell perguntou para ele o significado por de
trás da primeira melodia. “Algumas coisas eu vou sentir saudades”, Mingus
respondeu.
O resultado foi a elegante e lânguida “A Chair In
The Sky”. Liricamente, Mitchell habita expostas emoções de Mingus com ele
fantasiando em ser “better than ever” em sua próxima vida, mas proclamando que,
nesse momento, “Manhattan holds me to a chair in the sky / with the birds in my
ears / and boats in my eyes / going by”.
Em desacordo com o trabalho de Mingus e com o
material rítmico recente de Mitchell, a música, como a maior parte do disco, se
desdobra lenta e imprecisamente, como nuvens flutuando. O baterista Peter
Erskine explicou que os tempos lânguidos nas melodias de Mingus eram
desafiadoras, e que alongá-las para incorporar solos virtuosos não combinavam
com o espírito do álbum. Era tudo sobre permanecer distinto e fiel a um clima,
a uma voz.
Mas para um trabalho que inicialmente foi concebido
e dirigido por Mingus, se transformou muito mais em um disco de Joni Mitchell.
Mimada em seus trabalhos recentes com músicos que conseguiam
acompanhar sua musa, que podiam dar a sua música uma sensação frouxa em
desacordo com seu estilo lírico angular, Mitchell achou que a escolha inicial
de Mingus de pessoal era muito limitada. “Eu trabalhei nas músicas que Charles
escreveu no disco Mingus com várias bandas – bandas de sua escolha”, ela se
lembrou no texto do box de 2014 de Love Has Many Faces. Essas sessões iniciais incluíam
Tony Williams na bateria, Stanley Clarke no baixo, John McLaughlin na guitarra,
Jan Hammer nos teclados, e Gerry Mulligan no sax barítono. Mitchell trabalhou
nessas músicas quatro, em alguns casos cinco vezes, procurando por uma verdade
divina de acordo com o espírito da música de Mingus e suas esperanças para o
projeto. “Apesar do grande nível de virtuosismo, o grau de invenção era baixo”,
ela se lembra. “Soava como Bradley (um bar de Nova Iorque de baixo e piano
jazz). Mais uma vez, era jazz de ‘carne e batatas’”.
Mitchell exerceu sua raia iconoclastica
e chamou para uma sessão músicos de sua escolha - Herbie Hancock, Wayne Shorter
e um pouco de sangue novo – Peter Erskine e claro, Jaco
Em última análise, Mitchell exerceu sua raia
iconoclastica e chamou para uma sessão músicos de sua escolha nos estúdios da
A&M em Los Angeles – “meus favoritos da banda do Miles” - Herbie Hancock,
Wayne Shorter e um pouco de sangue novo – Peter Erskine e claro, Jaco.
“Eu disse para eles, ‘tudo que eu trabalhei soa
como uma faixa com um cantor – você poderia me tirar e colocar outra pessoa –
isso não mudaria em nada. Eu quero que todos nós sejamos tecidos juntos como
fios coloridos em uma tapeçaria. Eu não quero baixo e a bateria bloqueando como
numa faixa – a não ser nas pontes – as pontes precisam de groove. A chave para
isso é que as palavras são o líder. Existe espaço entre elas para comentários individuais
– estica um pouco aqui – mas quando as palavras estão colocadas – apoie-as.
Essencialmente, o pessoal era o grupo de jazz
fusion Weather Report, do líder Joe Zawinul. Shorter e Hancock são misturados
mais sutilmente, com o vocal de Mitchell e o baixo de Pastorius guiando o
processo.
Mitchell estava bem ciente da visão desconsiderada
de muitos sobre o papel do cantor. “Você tem que entender que nos círculos de
jazz na época, a mulher cantando era chamada de ‘chirp’”, ela lembrou em 2014. “Ela
era decorativa, algumas vezes necessária, mas não uma verdadeira jazzista – não
uma compositora espontânea ... Como resultado desse preconceito contra
cantoras, a maioria dos músicos nunca ouviram as letras...”
Isso era, claro, o motivo de Mingus ter pessoalmente
selecionado Mitchell para o papel.
Os vocais de Mitchell no disco atingem notas altas
e baixas em seu alcance; a pontuda oitava aparece em “The Dry Cleaner From Des
Moines” (uma aula de vocalize veloz iluminada) ao lado do alongado fraseado e glissando
de “Sweet Sucker Dance” e “A Chair In The Sky” e a variedade tonal do escasso “The
Wolf That Lives In Lindsey”. Seu estilo é convencional e musical; ela não é
vistosa – seus vocais estão a serviço do material, não ao contrário.
O projeto foi um desafio mental, assim como
emocional e musical. “Foi como seu eu estivesse em um rio”, Mitchell relembra
no texto original, “um dedo na água – sentindo – e Charlie veio e me empurrou –
‘nade ou afunde’ – ele rindo para mim como um cachorro remando nas correntes da
música negra”.
Havia, compreensivelmente, uma atmosfera de despedida
cercando Mingus na ocasião; os trechos de áudio apimentados durante todo o
disco (como a discussão sobre os arranjos para seu funeral em “Funeral”) revela
muito, assim como músicos convidados como Dexter Gordon, Jack Walrath e Ornette
Coleman. Esses sentimentos de funeral foram compensados pelas tensões e
alegrias da criatividade crescente.
A carga emocional desse projeto pesou bastante em
Mitchell (“o passar do tempo nunca foi tão alto como nesse último ano”, ela
escreveu. “Eu queria que Charlie testemunhasse a conclusão do projeto”). Acima
de tudo, talvez, foram as letras de que ela foi responsável por achar para “Goodbye
Pork Pie Hat”, um réquiem para Lester Young originalmente incluído no disco de
1959 Mingus Ah Um. As
letras já tinham sido escritas por Rahsaan Roland Kirk em 1976, mas Mingus
estava em direção para novas revelações. Ele queria que Mitchell fizesse letras
em vocalize no solo de sax de John Handy.
Mitchell, caminhando pelas ruas noturnas do Harlem
com seu namorado percussionista Don Alias cantando o solo de Handy para ela
mesma, mais tarde relembrou uma reviravolta no destino: “Saímos perto de um
bueiro com vapor subindo ao nosso redor, e duas quadras à nossa frente estava
um grupo de negros – cafetões por conta dos seus chapéus – circulando ao redor,
meio que inclinados para dentro de um círculo. Era esse pequeno bar com um dossel
que saia para o meio-fio. No centro deles tinha dois garotos, com nove anos de
idade ou mais jovens, fazendo esse tipo de dança de robô, uma dança moderna, e
um cara no ringue bate seus joelhos e diz, “Ahaaah, isso parece o fim do
sapateado, com certeza! ” Então, olhamos mais a diante e, em letras vermelhas
no próximo bar, em néon claro, dizia ‘Charlie’s’. De repente eu tenho essa
visão. Eu olho para aquele letreiro vermelho, eu olho para aquelas crianças, e
eu penso, ‘As gerações...’ Aqui tem mais dois garotos vindos da rua –
talentosos, definindo provavelmente um de seus primeiros públicos, e é ... para
mim, é como Charlie e Lester. Isso é magica o bastante para mim, mas foi quando
olhamos para a marquise onde tudo ocorria. Em grandes letras maiúsculas, dizia “PORK
PIE HAT BAR". Tudo o que eu tive que fazer foi rimar e você tem o último
verso”.
Aqui estava Mitchell e Mingus substituindo Charlie
e Lester; outra dupla, outro formidável encontro de mentes, outra mistura
bizarra de ideias e estilos.
Mingus escutou tudo, mas uma das músicas: a viva “God
Must Be A Boogie Man” tomou forma apenas dois dias após sua morte e foi
inspirada nas primeiras páginas de sua autobiografia Beneath
The Underdog. Nessa
música, Mitchell explora as várias identidades furiosas de Mingus (“which would
it be – Mingus one or two or three / which one do you think he’d want the world
to see”) com um arranjo atmosférico de guitarra e baixo.
Mingus sem dúvidas teria
preferido arranjos totalmente acústicos – mas você não convoca Joni Mitchell
sem esperar um disco de Joni Mitchell
O outro material é criado a partir de uma paleta de
Fender Rhodes, baixo fretless e sax tenor. Mingus, não importa o quão
maravilhoso fosse o virtuosismo de Herbie Hancock ou Pastorius, sem dúvidas
teria preferido arranjos totalmente acústicos – mas, como você deve saber, você
não convoca Joni Mitchell sem esperar um disco de Joni Mitchell.
Talvez como um compromisso, “God Must Be a Boogie
Man” é construída em seu violão prateado, sendo o lado negativo a pura ameaça
de “The Wolf That Lives In Lindsey”, uma demo anômala de guitarras e congas,
repleta de uivos de lobo, que morde e late no meio do álbum.
Liricamente, Mitchell, a observadora mais atenta
das fraquezas e excentricidades humanas, transformou com sucesso a vida,
personalidade e emoção de Mingus numa fábrica de música. É abundante as imagens
vibrantes (“like Midas in a polyester suit” de “The Dry Cleaner From Des Moines”
deve ser, com certeza, uma das grandes semelhanças), junto de músicas como “A
Chair In The Sk”, que arrepia com emoção crua e otimismo agridoce.
Nas canções de Mitchell, Mingus é ao mesmo tempo afetuoso
e feroz, amoroso e atormentado.
“Sweet Sucker Dance”, por sua vez, talvez mostre
melhor as tensões entre as predileções acústicas de Mingus e as explorações
elétricas de Mitchell. Como Mitchell relembrou em 2014, “A incerteza no início
[da música] joga bem contra o teatro do primeiro verso que diz “Tonight it’s a
dance of insecurity”. Eu disse para [os músicos] “é isso”. Seus rostos diziam “Sério
– é isso? ”. Anos depois, um por um, vieram até mim e disseram, basicamente, ‘Você
acredita naquela merda que a gente tocou? ’ Era muito inovador”.
‘Ele disse, “OK, filho da puta –
você canta a minha nota e a sua e você joga uma nota de graça para Deus! ” Eu
peguei para isso, mas nenhuma nota foi ‘moderna’. Eu deixei do jeito que estava’
Mas o próprio Mingus, em um episódio que lembrava
as sessões do álbum ocasionalmente discordantes e prolongadas como um todo, “não
gostou. Ele era um cara acústico. Baixo elétrico, piano elétrico – ele ficou chateado
com eles como Pete Seeger ficou quando Dylan ficou elétrico. Charlie tinha
outro problema. Ele disse, ‘Você está cantando a nota errada! ’ Eu mudei uma
nota em um lugar – indo para a ponte. Eu disse, ‘Bem, a sua nota é meio melancólica
– uma nota triste. A minha é otimista – ajuda nas palavras. Ambos conduzem –
para a ponte. Ele disse, ‘Você está cantando uma nota quadrada! ’ Eu disse, ‘Bem,
Charles, essa nota é quadrada há tanto tempo que é moderna de novo! ’ Ele
disse, “OK, filho da puta – você canta a minha nota e a sua e você joga uma
nota de graça para Deus! ” Eu peguei para isso, mas nenhuma nota foi ‘moderna’.
Eu deixei do jeito que estava”.
O disco foi realmente um desafio. “Eu estava
tentando agradar o Charlie e ao mesmo tempo ser fiel a mim mesma”, Mitchell
declarou. A música de Mingus, assim como a de Mitchell, era experimental,
abrangente, complexa. Ele foi inspirado por Charlie Parker e Duke Ellington,
mas ele, por sua vez, absorveu e depois subverteu essas tradições do jazz. Sua
expansão de melodias e possibilidades textuais com escalas e harmonias bebop, e
suas habilidades como compositor e líder de banda, forçou seus músicos em “transcender
suas habilidades”, conforme descrito por Bob Blumenthal em sua resenha original
da Rolling Stone.
Joni Mitchell, igualmente, era uma inovadora que
forçou seus músicos em transcender suas habilidades – não é coincidência que
Mingus quis trabalhar com ela. Uma das mais sofisticadas e talentosas
compositoras de sua área, o trabalho de Mitchell com Mingus pode não apresentar
o auge artístico de nenhum dos dois, mas representa uma nova conquista em
colaborações, experimentação e corajosa exploração artística. O que poderia ter
sido um epitáfio deplorável para uma carreira e sentença de morte para a vida comercial
de outra, na verdade representa um bizarro, mas ao mesmo tempo lindo esforço artístico
– e quase um triunfo. É um livro didático para artistas que querem fundir gêneros
seguirem, e foi um pouco para desfocar as linhas elitistas traçadas entre os gêneros.
Mitchell disse que ela “estava à procura de algo
pessoal – algo mútuo – algo que não pode ser descrito” com esse curioso
projeto. Nem sempre fica claro se o LP Mingus sempre atinge sua marca de forma consistente,
mas quando isso acontece, realmente acontece. Indescritível – quase; pessoal –
certamente. “I’m waiting for the keeper to release me / debating this sentence
/ biding my time / in memories / of old friends of mine…”
*o texto é uma tradução livre
da publicação feita no dia 8 de julho de 2019 no Jazz Journal.
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