Como de costume, o Sesc mais
uma vez promoveu um festival de jazz recheado no segundo semestre do ano. Em
sua segunda edição, entre 8 e 27 de outubro, passaram 26 atrações de 12
nacionalidades diferentes pelo Sesc Jazz. As apresentações ocorrem em nove
unidades do Sesc (Pompeia, Guarulhos, Santos, Araraquara, Bauru, Jundiaí,
Piracicaba, Ribeirão Preto e Sorocaba), além de 17 atividades de caráter
educativo nas unidades Consolação, Vila Mariana e no Centro de Pesquisa e
Formação.
Abaixo você confere um
pouquinho sobre cinco shows que fizeram parte da programação do festival neste
ano.
Terri
Lyne Carrington and the Social Science Community (Estados Unidos) – 11 de
outubro na comedoria do Sesc Pompeia
A baterista, compositora e
cantora Terri Lyne se apresentou na tradicional comedoria do Sesc Pompeia na
primeira semana do festival - 10 e 11 de outubro. Com 40 anos de carreira, a
norte americana tem no currículo três grammys e trouxe para o Brasil seu mais recente
projeto, "Terri Lyne Carrington and the Social Science Community".
Acompanhada por Maimouna
Youssef aka Mumu Fresh (voz/MC), MC Marc Cary (teclado), Ben Eunson (guitarra),
Morgan Guerin (saxofone baixo e saxofone tenor) e Brian Raydar Ellis
(DJ/rapper), Terri fez um ótimo show na comedoria do Sesc. Mesclando alguns standards
do jazz, com composições de seu novo trabalho, "Waiting Game", que
deve sair em novembro pelo selo Motéma, a baterista misturou um jazz elétrico
com hip-hop de alta qualidade. Sempre muito afiada no palco, a norte americana
demostrou muito entrosamento com sua jovem banda, no qual também não deixou a
peteca cair. Destaque para a rapper Maimouna Youssef, mais conhecida como Mumu
Fresh, que despejou rimas que refletem o momento político global atual.
Com quase duas horas de
apresentação, Terri Lyne mostrou para os brasileiros por qual motivo ela já
dividiu o palco com monstros do jazz, entre eles Herbie Hancock e Wayne Shorter.
Kamaal
Williams (Inglaterra) – 13 de outubro na comedoria do Sesc Pompeia
Para quem não conhece o
inglês Kamaal Williams, o cara fez parte da dupla Yussef Kamaal, que em 2016
lançou o celebrado disco “Black Focus”. Infelizmente a parceria teve vida breve
e em 2017 o pianista começou sua carreira solo. Próximo da cena eletrônica
inglesa, Kamaal explora bastante esses elementos em sua música. Com três
apresentações marcadas para o festival Sesc Jazz, o músico veio acompanhado de
Quinn Mason (saxofone), Rick Leon James (contrabaixo) e Jonathan Tuitt
(bateria) para divulgar seu mais recente trabalho, "The Return" de
2018.
Com um show calcado no acid
jazz e no jazz funk de Herbie Hancock e Miles Davis, Kamaal e sua banda
tornaram a comedoria do Sesc Pompeia em uma pista de dança. Muito disso se
deveu ao fato do entrosamento de Rick e Jonathan no baixo e bateria, que não
deixaram o público desanimar nem por um minuto com muito suingue e groove.
Grande apresentação para um domingo quente na cidade de São Paulo.
De óculos escuros e tomando um
gole de guaraná entre cada música, Williams fez um show enxuto, por volta de 60
minutos, porém sem enrolações. Apenas música de ótima qualidade, deixando um
gostinho de quero mais no público presente, que até ensaiou uma vaia no final
da apresentação, no qual aguardava pelo bis que não aconteceu.
Avishai
Cohen Big Vicious (Israel) – 17 de outubro na comedoria do Sesc Pompeia
Avishai Cohen é um israelense
de 40 anos de idade que começou a tocar trompete aos oito. Seu primeiro disco,
“The Trumpet Player”, foi lançado em 2003. Hoje o cara soma nove discos no
currículo, lhe rendendo comparações com nomes do calibre de Miles Davis. Para
os shows do Sesc Jazz ele trouxe seu grupo Big Vicious, que mistura o jazz
elétrico com o rock.
Vestindo uma roupa azul,
semelhante a um frentista de posto de gasolina norte americano dos anos noventa,
e uma longa barba, Avishai é um grande trompetista e mostrou isso na comedoria
do Sesc Pompeia. Fiquei surpreso, pois não conhecida o som dele e comprei o
ingresso um dia antes da apresentação. O cara sabe tocar notas mais rápidas,
quando necessário, já que o som que ele faz é bem influenciado pelo rock. Mas
quando a música necessita de notas mais espaçadas, doces, ele também consegue
entregar com a mesma excelência.
A banda que acompanha ele,
Big Vicious, também vale destaque. Com Aviv Cohen na bateria, Uzi Ramirez na
guitarra e Yonatan Albalak no baixo/guitarra, o trio criou por diversas vezes
um clima que entorpeceu os espectadores, deixando muito espaço para Avishai
fazer aquilo que sabe e emocionando o público. Nas músicas mais aceleradas, voltadas
para o jazz rock, os caras também entregaram – Uzi sabe como fazer um baita
solo de guitarra, já diria o poeta.
Com cerca de 90 minutos de
show, Avishai Cohen Big Vicious tem chances, na minha opinião, de ter sido uma
das melhores apresentações do festival. Com certeza vou ficar de antena ligada
para o trabalho deles que sai em março do ano que vem.
Gary
Bartz (Estados Unidos) – 20 de outubro no teatro do Sesc Pompeia
Provavelmente um dos shows
mais esperados do festival, o saxofonista Gary Bartz se apresentou em Ribeirão
Preto, Araraquara e duas noites no teatro do Sesc Pompeia. Com uma carreira de
mais de 60 anos dedicado a boa música, Gary já tocou ao lado de grandes nomes
do jazz. Miles Davis é um deles. Um amante dos fenômenos celestes, o cara
compôs ao longo de sua carreira peças com uma sonoridade espacial, solene,
música que leva o ouvinte além da atmosfera de nosso planeta.
O show que eu pude acompanhar
ocorreu no domingo (20). O teatro do Sesc estava lotado para acompanhar uma
jornada de duas horas (!!!) de duração. Sim, uma jornada!
Com quase oitenta anos de
idade, Bartz continua tocando muito saxofone. Sua técnica no instrumento é algo
incrível de se ver. Não vou ser puxa saco e dizer que ele está tocando melhor
do que quando era mais jovem, porém ele continua solando em algumas peças de
forma muito agressiva, com um pé no free jaz. Em outras passagens, sua maneira
calma, suave de tocar, emociona qualquer amante da boa música.
O interessante do show é que
não há intervalos entre as músicas, algo que Gary avisa antes de tocar a
primeira nota. Ele ainda ressalta que eles, músico e banda, reagem conforme as
manifestações da plateia. Isso é algo muito interessante, pois provavelmente
cada show é diferente do outro. Uma relação de entrega entre o artista e seu
público.
Quero também te contar um
pouco sobre a banda que estava acompanhando ele. James King no contrabaixo,
Francisco Mella na bateria e Berney McCall no piano deram um show à parte. Eles
foram sensacionais. Imagina tocar em alto nível, sem intervalos, durante 120
minutos?! Só fera, claro. King foi muito seguro, porém vale destacar a
performance de Mella e McCall. Que dupla, senhoras e senhores. Um completando o
outro e dando espaço para Bartz solar. Fiquei extremamente surpreso com esses
dois caras.
Com os ingressos variando de
R$ 18,00 (credencial Sesc) e R$ 60,00 (inteira), tenho a sensação de foi um
dinheiro muito bem investido para um final de tarde na cidade de São Paulo. Uma
jornada cósmica com um dos grandes do jazz internacional e candidato a top 3 de
melhores shows dessa edição do festival.
The
Art Ensemble of Chicago (Estados Unidos) – 27 de outubro no teatro do Sesc
Pompeia
Fechando o último dia do
festival, em mais um domingo quente na cidade de São Paulo, propício para o
consumo de sorvete para os menores de idade e cerveja para os mais “velhos”, a
The Art Ensemble of Chicago fez no teatro do Sesc Pompeia um dos shows mais
aguardados dessa edição. Na estrada há cinco décadas, os caras são sinônimo de
jazz de vanguarda de primeira qualidade.
Marcado para ter início as 18
horas, o teatro estava lotado, tanto nos assentos marcados como nas galerias. Os
aplausos começaram – e seriam muitos durante a apresentação – quando os
primeiros membros entraram no palco, porém aumentaram quando o saxofonista
Roscoe Mitchell e o baterista Famoudou Don Moye, remanescentes da formação
original, entraram. Duas lendas. Obviamente que os dois devolveram o carinho do
público com gestos de gratidão.
Com cerca de 90 minutos de
apresentação, o som dos caras é algo de outro planeta. Misturando ritmos africanos,
com bastante percussão, e sons minimalistas, em que o silêncio era algo
essencial, The Art Ensemble of Chicago fez uma das melhores apresentações do
Sesc Jazz e, talvez, que eu tenha visto no teatro do Sesc Pompeia nesses anos
que eu frequento o histórico local. Só pelo fato de conseguir reunir onze
músicos no palco, e fazer isso funcionar, é motivo de aplausos. Infelizmente eu
percebi que algumas pessoas ficaram incomodadas com esse tipo de som e saíram durante
a apresentação. Provavelmente esperavam algo mais tradicional. Só posso dizer
que perderam uma experiência única.
Quero destacar a presença de Roscoe
e Don Moye. Ambos continuam carregando a tocha do jazz de vanguarda pelo mundo.
E com muita animação e vitalidade, tenho que destacar. Além dos dois, vale a
pena fazer menção para o percussionista Dudu Kouate. Usando instrumentos nada
convencionais, como apitos, sinos e até algo que parecia como uma bacia cheia de
água, o cara deu um show à parte. Em um determinado momento da apresentação ele
fez um ótimo discurso de exaltação a cultura e música negra, no qual foi
respondido pelos presentes com uma salva de palmas. Nesses tempos de
obscurantismo e de negação da história, é ótimo manifestações desse tipo.
Menção
honrosa: Sun Ra Arkestra (Estados Unidos) – 8 e 9 de outubro na comedoria do
Sesc Pompeia
Infelizmente eu não consegui
assistir, mas eu quero fazer o registro. A Sun Ra Arkestra abriu o festival nos
dias 8 e 9 de outubro na comedoria do Sesc Pompeia. Pelo o que eu ouvi, os
caras fizeram um grande show! Mantendo a música do o tecladista, poeta e
filósofo norte-americano Sun Ra viva, a banda é um dos principais nomes do jazz
experimental.
Fotos: Facebook do Sesc
Pompeia.
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