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Atrás e além com O Terno no Sesc Pompeia




O ano de 2019 está recheado de lançamentos importantes na música tupiniquim. Trabalhos de alta qualidade que chegaram às lojas e plataformas digitais. Posso citar facilmente o primeiro disco de inéditas do instigante Jards Macalé em muitos anos, Besta Fera, ou o rap sempre contundente e contestador de Black Alien em Abaixo de Zero: Hello Hell. Falando de rock, a praia que eu mais frequento, O Futuro Não Demora do BaianaSystem e Violeta do Terno Rei também não podem ser esquecidos de maneira alguma!

Outra banda que também tem “terno” no nome, O Terno, lançou um ótimo disco, <atrás/além>. Para fechar as apresentações da trupe de Tim Bernardes no Brasil neste ano, os caras fizeram dois shows na comedoria - ou choperia, se você preferir - do Sesc Pompeia com ingressos esgotados (dias 8 e 9 de novembro). Eu, que nunca tive a oportunidade de ver eles ao vivo, compareci na sexta-feira para ver se a hype que existe envolta desse trio paulista é verdadeira.

Com cerca de 19 graus na capital paulista e um pouco de chuva, boa parte do público já estava dentro da comedoria quando o relógio marcava 21 horas e 30 minutos. Observando antes dos meninos entrarem em ação, pude perceber que a maioria dos presentes era de jovens. Talvez 16, 17, 18 anos. Algo que na minha opinião é muito legal. Uma garotada que resolveu sair numa sexta à noite para prestigiar a boa música nacional vale sempre o meu elogio.

Toda essa juventude virou histeria no momento em que Tim Bernardes (vocais, guitarra e piano), Guilherme d’Almeida (baixo) e Biel Basile (bateria e percussão) subiram ao palco acompanhados de um quarteto de metais. Logo de cara eles mandaram “Tudo Que Eu Não Fiz”, faixa do novo trabalho, no qual Tim canta docemente “eu quero ficar velho / eu quero tudo que eu não fiz” para uma plateia extasiada.



O show é calcado no novo disco, mais da metade do repertorio é com músicas de <atrás/além>. Todos vestidos de branco, sentados na maior parte do tempo, a música do O Terno ficou um pouco mais refinada desde Melhor Do Que Parece. Isso se tornou mais proeminente no primeiro álbum solo de Tim, Recomeçar de 2017, com os belíssimos arranjos de cordas. Dessa forma, o lado mais sentimental do trio é mais pulsante nesse novo trabalho e isso se reflete principalmente no show. Músicas que começam minimalistas, ao piano, mas que terminam num crescente catártico. Algo que parece agradar os fãs. Uma conexão total entre eles e a banda que é quase palpável.

Influenciados por diversos tipos de sons, de Tom Jobim a Beatles, O Terno consegue criar uma música que é fresca para os ouvidos. Ao mesmo tempo em que ela é refinada, como eu já disse, também gruda na sua cabeça, como chiclete de menta. Além disso, existe bastante contestação social nas letras. Um grande exemplo é “Passado / Futuro”, uma crítica pontual ao atual presidente da república e o momento conservador que vivemos.

Outro ponto que me chamou bastante a atenção na apresentação é o sentimento de amizade que envolve os três. Sempre brincando entre eles, Tim, Gui e Biel são grandes amigos que fazem música juntos. É uma relação quase telepática entre eles. E isso é um privilégio, sem sombra de dúvidas e eles sabem muito bem disso. A energia ao vivo desses caras é algo ímpar, eles conseguem tornar o que já bom em disco melhor ao vivo. Com mais força e emoção.

Antes de terminar esse texto eu não posso esquecer de mencionar um fato. O ex-presidente Lula foi solto da sede da Polícia Federal em Curitiba na mesma sexta-feira do show da banda. Isso ocorreu por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal com relação a prisão em segunda instância. Esse momento histórico não passou despercebido pelo trio, no qual Tim entoou os dizeres “Lula livre” no meio do show, para o delírio da maior parte do público. Ótimo exemplo de que eles não estão fazendo música e se alienando do resto.

O Terno é uma banda que tem um grande futuro pela frente. Com quatro discos no currículo, é claro que eles estão sempre olhando para frente. Sempre preocupados em fazer arte. Em crescer como pessoas e artistas. Eles não são os Beatles brasileiros. Muito, mas muito longe disso, claro. Porém, eles são três rapazes que gostam de fazer música, se divertirem, sem “grilos” de falar de seus sentimentos, incertezas e esperanças para o futuro. E isso é muito legal.



Fotos: página do Sesc Pompeia no Facebook.

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