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A viagem cósmica americana de Gram Parsons




50 anos depois de Parsons ter ajudado a definir o country rock com os Byrds, nós traçamos seus passos lá e além em bootlges e demos.

O disco Sweetheart of the Rodeo dos Byrds, lançado há 50 anos nessa semana, é um dos documentos fundamentais do country rock. Mas ele poderia ter sido um disco totalmente diferente. “Minha ideia original para Sweetheart of the Rodeo era um disco duplo, um álbum cronológico, começando com música antiga, não bluegrass, mas pré-bluegrass,” disse Roger McGuinn, líder da banda, para a revista Rolling Stone em 1970. “E então iria para a versão avançada de 1930, se transformaria em country moderno, aquele dos anos 40 e 50 com “steel guitar” e “pedal steel guitar” – fazer um tipo de artigo da evolução desse tipo de música. Então cortaria no meio e traria para música eletrônica e um tipo de música espacial e iria para uma música futurística.”

O homem responsável em trazer a ambição de McGuinn para a terra novamente foi Gram Parsons, um desconhecido de 22 anos da Flórida com um delicioso sotaque Sulista armado com um fundo fiduciário que tinha largado Harvard. A breve passagem de Parsons nos Byrds viu os pioneiros do folk rock nas paradas refazerem uma banda que devia tanto ao Buck Owens e os Louvin Brothers quanto para Bob Dylan e os Beatles. Sweetheart of the Rodeo não era “música futurística”, mas certamente era avançada, servindo de base para diversos músicos que seguiram seu lançamento.

Cinco décadas depois, após diversos relançamentos de seu trabalho, diversos discos tributo, e copiosas produções de mito, a representação de Parsons como padrinho do country rock do Sul da California é talvez um pouco exagerada. Entre outros, seu companheiro de banda Chris Hillman (Byrds e Flying Burrito Brothers) talvez também mereça o mesmo crédito. Mas o elegante glamour desperdiçado de Gram e sua trágica e precoce morte em 1973 moldaram sua lenda. Mais, sua música ainda se mantém. Apesar de diversas “escavações” ao longo dos anos, ainda existem algumas raridades fantásticas de Gram ocultas nos cantos mais empoeirados da internet.

Early Efforts, 1962-1965


O artefato mais antigo de Gram é o áudio de uma fita da sua jovem banda de rock’n’roll, the Legends, tocando uma versão energética de “Rip It Up” de Little Richards na televisão de Tampa em 1962. Assim como outros da sua geração, Parsons foi logo mordido pela música folk, e ele se juntou ao Shilos, um grupo estilo Kingston Trio que tocava versões bastante similares de músicas como “The Bells of Rhymney” de Pete Seeger e a gospel “Mary Don’t You Weep.” Não há muitas evidências da genialidade de Parsons na música gravada pelo Shilos, apesar que a sua única composição original, “Zah’s Blues,” é um solido híbrido jazz-folk de Fred Neil. O melhor da juventude do cantor e compositor é uma gravação caseira demo de 1965 de “Brass Buttons,” um som que ele usou depois em Grievous Angel, seu trabalho solo final. Lançado em 2000 em Another Side of This Life: The Lost Recordings of Gram Parsons, essa demo é uma performance linda e frágil que sugere que coisas maiores iriam vir.

The International Submarine Band, 1966-67


No começo de 1966, Parsons se mudou para Los Angeles e formou a International Submarine Band, no qual assinou com a pop-country estrela Lee Hazlewood’s LHI Records. Gram ainda não tinha pensando em fundir o country com o rock, no entanto: o primeiro single da banda, a mal-humorada “Sum Up Broke,” é mais Nuggets do Nashville. Em uma aparição no filme de exploração contra cultural The Trip de Roger Corman, os provedores da ISB provem o som psicodélico e apropriado (até mesmo um pouco clichê) para um Peter Fonda meio zoneado. Mas Parsons estava rapidamente desenvolvendo seu estilo. A estreia de 1967 da ISB, Safe at Home, é um proto-country rock, incluindo a clássica “Luxury Liner” (a futura faixa título do mega lançamento de Emmylou Harris em LP) e a “pedal steel” “Blue Eyes”. A International Submarine Band parecia pronta e preparada para sacudir a vibrante cena rock de L.A. e além – mas Parsons já estava de olho em coisas maiores.

The Byrds, 1968


“Eu pensei que tinha contratado um pianista,” Roger McGuinn disse para o biografo de Parsons David N. Meyer. “[Gram] acabou sendo um mostro em pele de cordeiro. E ele explodiu dessa pele de cordeiro. Meu Deus! É George Jones em um terno de lantejoulas!” É preciso realmente admirar a pura audácia de Gram Parsons quando se trata de seu breve período como um Byrd. Ele se meteu em uma das maiores bandas de rock no mundo, radicalmente mudou seu som, e abruptamente pulou fora durante uma turnê europeia – tudo isso no espaço de seis meses.

Além de Sweetheart of the Rodeo (que ainda brilha), existem várias gravações amadoras de Gram com os Byrds na primavera de 1968 para se conferir. Uma fita feita no Rome’s Piper Club em maio é possível observar a banda misturando a nova vibe (a balada saudosa de casa de Gram “Hickory Wind”) com a antiga (a versão espirituosa de “I’ll Feel a Whole Lot Better” de Gene Clark). Enquanto estavam em Roma, o grupo filmou um clipe para “Mr. Spaceman” no Coliseu com Gram dublando junto, apesar da música ter sido gravada um ano antes da sua entrada na banda. Finalmente, um show no Roundhouse de Londres em julho sobrevive numa fita amadora e inclui a então nova rendição amorosa de Merle Haggard “Sing Me Back Home,” música que Gram gravaria em seu próximo projeto.

The Flying Burrito Brothers, 1969


É de senso comum que Parsons teve duas razões para abandonar os Byrds. Uma delas é nobre: ele não estava muito entusiasmado de tocar para plateias segregadas na África do Sul. A outra era um pouca mais indulgente: Gram queria se drogar e tocar música com Keith Richards. E foi isso que ele fez – Richards há muito tempo tem dado crédito para Parsons por ter introduzido ele aos prazeres do country rock clássico. Mas após o fim do verão chapado e idílico de Gram, ele voltou ao trabalho, convencendo o baixista dos Byrds Chris Hillman a se juntar a uma nova banda que eles apelidaram de Flying Burrito Brothers. A parceria resultou na destilação clara da visão de Parsons da “música cósmica Americana”, e inspirou a fusão da autêntica alma country e da psicologia da costa oeste, reforçada consideravelmente pelo trabalho distorcido e espaçado dos pedais de Pete Kleinow em “Sneaky”.

A banda gravou dois discos essenciais com Parsons e viajou bastante em turnê, dividindo shows com o Grateful Dead e sendo figurinha carimbada no circuito de festivais. Um set típico flutuante (e ocasionalmente irregular) dos Burritos no Seattle Pop Fest mostra perfeita união das harmonias de Hillman e Parsons com o jeito de tocar criativo e solto de Kleinow. Mais tarde em 1969, a banda tocou no notório Altamont Speedway Free Festival com Jefferson Airplane, Crosby, Stills, Nash & Young, e os Rolling Stones. Apesar da tragédia que rolou no festival (um membro do público chamado Meredith Hunter foi assassinado por um Hells Angels durante o show dos Stones), a fita com a performance do show dos Burritos durante a tarde mostra muita positividade – um brilho em um dia escuro.

The Solo Years With Emmylou Harris, 1970-73


Cansado com o hedonismo e a falta de confiança em Parsons, Chris Hillman deu um pé na bunda do seu colega de banda na primavera de 1970. Gram não estava com pressa de iniciar uma carreira solo. Ao invés disso, ele preferiu cair no abismo do consumo de drogas com Keith Richards, em meio as prolongadas sessões de Exile on Main Street no sul da França. Uma tentativa de gravar um LP com Clarence White dos Byrds e o guitarrista Ry Cooder não levou a lugar nenhum, com um Parsons debochado quase sem forças para gravar os vocais (as fitas, talvez por sorte, já não existem mais). Ele ainda atuou no filme psicodélico de ficção cientifica, ainda inédito, Saturation ’70. Mas ele ainda estava escrevendo material muito bom – confira as demos solo íntimas de “1000 Dollar Wedding” e “New Soft Shoe,” ambas provas de Gram continuava capaz de entregar boas canções.

Felizmente, um encontro com a ainda não conhecida cantora Emmylou Harris deu a Parsons um novo começo, e ela se tornou sua principal fonte de energia durante seus anos finais de vida. A dupla gravou dois LPs deslumbrantes, GP de 1973 e o póstumo Grievous Angel, ambos não venderam bem na época, mas são hoje considerados como clássicos. Gram e Emmylou saíram em turnê bastante durante 1973, acompanhados por uma banda versátil apelidada de Fallen Angels. Suas harmonias sobrenaturais cortam o assobio numa fita gravada pela audiência em um show de Boston, no qual eles fazem duetos em versões doloridas de “Sin City” e “How Much I’ve Lied” e um boogie durante “Boney Maronie” e “Six Days on the Road.”

No entanto, o renascimento criativo de Gram durou pouco. Alguns meses depois, ele foi encontrado morto por conta de uma overdose de bebida e morfina em um quarto de hotel no Joshua Tree. O escritor e confidente de Parsons Eve Babitz resumiu melhor a vida curta e levada ao limite de Gram nas notas do encarte de Reprise Sessions: “Eu sempre achei que Gram era um cristão complicado, um artista que nasceu com as sementes mágicas do melhor e do pior da nossa geração. Ele estava na tradição clássica do jovem lorde fodido, andando perdido da pureza à depravação.” Um anjo americano grave, em outras palavras, com seus pés no chão e sua cabeça nas nuvens.

O texto acima é uma tradução livre da matéria escrita por Tyler Wilcox em 2018.
Original:

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