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MeiaDúzia #01: Ótimos discos lançados em 2020

Apesar de caótico, o ano de 2020 teve ótimos lançamentos musicais, tanto no Brasil como fora do país. Abaixo eu montei uma lista com seis desses lançamentos que chamaram a minha atenção. A lista não tem a intenção de elencar os seis melhores discos do ano, apenas mostrar alguns ótimos trabalhos lançados nesse ano. 

Essa lista também inaugura uma nova sessão do blog, o "MeiaDúzia". De tempos em tempos eu vou montar uma lista com a indicação de seis produtos culturais que tenham relação a um tema em específico. Pode ser livro, filme, série, tanto faz, mas sempre serão seis indicações relacionadas a um tema que eu achar interessante. 

  

1. Jeff Parker – Suite for Max Brown


 

Jeff Parker é um guitarrista norte americano de 53 anos e um dos principais nomes que surgiram na cena de Chicago nos últimos trinta anos. Conhecido pelo seu trabalho no grupo Tortoise, o cara já trabalhou com alguns coletivos de jazz, com o versátil Rob Mazurek e com o projeto Chicago Underground. Porém, foi em carreira solo que ele conseguiu dar vazão para algumas de suas principais criações.

Seu mais recente trabalho, Suite for Max Brown, foi lançado no começo desse ano e é uma síntese de tudo aquilo que ele tem trabalhado nas últimas três décadas. A primeira faixa e um dos pontos altos do disco, “Build a Nest”, com uma levada mais tradicional do jazz e recheado de batidas, possui os vocais da sua própria filha, Ruby Parker.

A mãe de Jeff é outro membro da sua família que aparece no trabalho. Maxine Brown era seu nome de solteira e a sua foto ilustra a capa do disco. Esse pequeno detalhe adiciona uma nova camada de emoção para as 11 faixas do álbum e fica evidente em “After The Rain”, um cover de John Coltrane, música de sua geração.

Mesmo em momentos no qual o disco parece perder força, como em “Del Rio” e “3 For L”, Jeff cerca o ouvinte de sintetizadores e uma guitarra mais melódica, mostrando que o músico não teve medo de se reinventar no estúdio.

Enquanto a guitarra continua o foco principal, Parker utiliza diversos tipos de sons e instrumentos, muitos no qual ele tocou ele próprio, para construir um som mais acessível, comparado a seus outros trabalhos, mas sem o medo de provar novas possibilidades e rumos. São quase 40 minutos de um universo criativo amplo que consegue ser fresco no jazz contemporâneo.



2. Bruce Springsteen – Letter To You


 

Letter to You é o vigésimo disco de estúdio do Bruce Springsteen e seu mais novo trabalho com a E-Street Band. Após se aventurar no mundo literário com a sua elogiada autobiografia e uma série de shows na Broadway, o The Boss volta com mais um trabalho autobiográfico. No papel de um narrador, ele observa como a música pode nos sustentar em um mundo cheio de perdas.

Gravado no final de 2019 durante uma semana de neve em New Jersey, o disco traz de volta a força da E-Street Band. Os últimos trabalhos de Bruce com a banda que o acompanha desde os anos setenta deixaram a desejar nesse ponto, porém em faixas como “Ghosts”, no qual o músico fala de antigos amigos que já se foram, porém continuam visitando ele de surpresa, é um exemplo de como Steven Van Zandt e companhia são ótimos no que fazem e precisam ser valorizados.

Outra faixa forte do disco é “Rainmaker”. A música fala de pessoas desesperadas que colocam toda a sua fé em falsos profetas. Bruce declarou que escreveu essa canção durante a administração Bush, porém em tempos de Trump e Bolsonaro, ela muito bem poderia ter sido composta em 2020 que não ficaria fora de contexto.

Apesar de ser um álbum que fala bastante sobre perda, a última faixa, “I’ll See You in My Dreams”, deixa uma pontinha de esperança no ouvinte. “Vamos nos encontrar, viver e rir de novo, pois a morte não é o fim”, canta Bruce esperançoso.

Com uma sonoridade bem característica dos clássicos do Bruce com a E-Street, músicas fortes que crescem e que no final deixam o ouvinte com uma sensação de purificação do espírito, os fãs do Bruce com certeza vão gostar desse novo trabalho e, para aqueles que querem conhecer um pouco mais do trabalho do músico, não deixa de ser uma porta de entrada interessante.


 

3. Fleet Foxes – Shore


 

Liderado por Robin Pecknold, o Fleet Foxes é uma banda de Seattle com quase 15 anos de estrada. Seu primeiro disco de estúdio, o autointitulado de 2008, fez grande sucesso quando foi lançado. Misturando o indie rock com o folk, é até hoje considerado por muitos, críticos e fãs, como o melhor trabalho do grupo.

Shore, quarto disco da banda, lançado em setembro, tem recebido diversos elogios e talvez seja o meu lançamento preferido do caótico ano de 2020. Isso se dá por conta de o álbum ser bem diverso. Parece que Robin tenta a todo momento buscar novas possibilidades, como em faixas “Featherweight” que misturam ambientações jazzísticas e improvisação.

Gravado em diversos estúdios em um período de dois anos, Shore traz uma surpresa especial para os fãs brasileiros. Na ótima faixa “Going-to-the-Sun Road”, Tim Bernardes do Terno empresta a sua voz entre diversas camadas instrumentais, arranjos de sopro e melodias.

Porém achar que o disco é difícil por conta disso é um grande equívoco. Faixas como “Can I Believe You” e “A Long Way Past the Past” são bem mais acessíveis e evidenciam a capacidade de Pecknold em se conectar com uma parcela maior da audiência.

O álbum por diversas vezes parece trazer um sentimento de estar de frente para o desconhecido, porém agradecido por estar vivo. Talvez isso seja pelo fato de Pecknold ter passado por uma experiência de quase morte antes da gravação. Enquanto surfava nas praias de Los Angeles, o músico foi pego por uma correnteza e teve que lutar bastante para voltar para à costa. Depois desse episódio, e aliviado de estar na praia, teve a ideia de chamar o novo projeto de Shore, que é costa em português, e trazer essa vibração de estar vivo para o álbum.

A cada audição, o disco cresce e o ouvinte se dá conta de novas emoções e detalhes que ainda não tinha percebido. Com certeza vai figurar nas principais listas de discos de 2020.

 


4. Sepultura – Quadra


 

A banda de metal mais famosa do Brasil está de volta! Lançado em fevereiro, Quadra é o decimo quinto disco de estúdio dos caras e o terceiro dessa nova formação com Eloy Casagrande na bateria. Com 12 músicas, o novo trabalho é conceitual. Segundo Andreas Kisser, “todos nós viemos de diferentes quadras – países e nações com suas fronteiras e tradições, cultura, religiões, leis, educação e um conjunto de regras onde a vida acontece. ”

Parecido com um LP duplo, o novo disco possui quatro lados e cada um desses lados tem uma característica diferente. A primeira parte é mais voltada para o bom e velho trash metal. A primeira faixa, “Isolation”, representa isso muito bem, com Derrick Green refletindo sobre o sistema carcerário norte americano. Fãs da fase Beneath the Remains vão curtir. Já o segundo lado, tem uma pegada mais na linha do Roots / Chaos AD, com bastante percussão. Nessa parte do álbum a velocidade do disco diminui um pouco, com faixas mais experimentais, muito por conta do excelente Eloy Casagrande, e o som de "Raging Void" lembra algo na linha da banda Mastodon.

A terceira parte do trabalho tem um tom mais progressivo e é aí que o Andreas Kisser consegue explorar outros elementos. A instrumental "The Pentagram" se destaca nessa parte é um exemplo do nível técnico que a banda se encontra nesse momento. No último lado, que começa com a instrumental de 46 segundos que dá nome ao disco, temos elementos mais melódicos e épicos, com os vocais de Derrick mais limpos em comparação ao resto do álbum.

Quadra não é o melhor trabalho da história do Sepultura, se você considerar os discos da fase com os irmãos Cavalera na discussão, porém é um ótimo álbum e uma evolução com relação aos dois últimos trabalhos. A banda continua agressiva, mas tem experimentado bem mais. Para os fãs resta apenas imaginar como essas novas músicas vão ficar ao vivo quando os shows forem liberados de vez.


 

5. Marcelo D2 - Assim Tocam os MEUS TAMBORES


 

Antes da pandemia da corona vírus estourar no Brasil, Marcelo D2 estava gravando o novo disco do Planet Hemp. Cheio de raiva por causa do momento político que o país atravessa e cuspindo marimbondos contra os fascistas, o álbum teve que ser suspenso. De repente Marcelo se viu isolado em casa. Para não enlouquecer, o cara teve a ousada ideia de produzir um disco durante suas lives na plataforma Twitch.

Gravado durante 150 horas de lives, nasceu seu novo trabalho de estúdio, “Assim Tocam os MEUS TAMBORES”. D2, em uma entrevista para a revista Rolling Stone, contou que o conceito já estava na sua cabeça antes da quarentena imposta pela COVID-19. “Sabe aqueles papos que você tem quando tá fumando? Colocar um estúdio de vidro dentro de uma galeria e a galera poderia ir lá, assistir, ver o fluxo de trabalho", disse ele.

Um dos méritos do novo álbum é ele ser recheado de diversos elementos, como o jazz, o rock, o funk, o soul, o maracatu e o samba. D2 contou que algumas indicações de sons que ele usou no projeto foram feitas na hora pelas pessoas que acompanhavam a transmissões. Marcelo também utilizou elementos da cultura africana, algo que fica evidente na faixa “Tambor, O Senhor da Alegria”, que possui a participação especial do Criolo e foi concebida a partir de trechos da obra do historiador Luiz Antônio Simas.

Apesar do disco ter letras pesadas, contestadoras, algo que o ouvinte espera do vocalista do Planet Hemp, existem momentos mais leves, como na faixa “4ª às 20h”. Outro ponto legal do trabalho é ele ser recheado de participações especiais. Na música “Rompeu o Couro”, Marcelo brinca com uma colagem de ritmos, enquanto BK, Baco Exu do Blues, Juçara Marçal e Anelis Assumpção fazem a sua contribuição.

“Assim Tocam os MEUS TAMBORES” é um trabalho de um artista em constante reinvenção e que exige tempo para ser totalmente digerido e compreendido. É um retrato de alguém impactado pelo mundo exterior e que usa a sua arte para contra-atacar. Através da solidão e do isolamento, nasceu um disco totalmente coletivo.


 

6. Luedji Luna - Bom Mesmo É Estar Debaixo D'Água


 

A cantora e compositora baiana Luedji Luma é umas das principais vozes dessa nova geração, ao lado de nomes como Letrux e Xênia França. Em seu segundo trabalho solo, Bom Mesmo É Estar Debaixo D'Água, a cantora entrega um disco cheio de emoção que agrada o ouvinte desde o primeiro momento, porém que cresce de complexidade a cada nova audição.

O novo trabalho foi gravado no Brasil (São Paulo e Salvador) e no Quênia (Nairóbi) e conta com a coprodução do guitarrista queniano Kato Change, com quem Luedji já tinha colaborado no seu trabalho anterior, Um Corpo no Mundo. O disco tem uma linguagem mais voltada para o jazz e para os ritmos africanos e cada música parece apontar para uma direção específica em um leque diverso de possibilidades criativas.

Lançado em meio a pandemia do coronavírus, o elemento água parece querer nos afastar dos tempos ruins. No trabalho, a água se apresenta na fluidez instrumental do disco, preenchendo todos os espaços, lavando, limpando e purificando a alma. As 12 faixas do álbum parecem dar uma sensação de apneia musical, no qual o ouvinte perde o fôlego várias vezes, mas depois retoma o ar se sentindo de forma diferente.

Orientado pelas emoções da artista, o disco fala da negritude, feminismo e maternidade. Em muitos momentos essa emoção se transforma em versos raivosos, como na canção “Ain’t I a Woman?”, que ela reflete nos versos "Eu sou a preta que tu come e não assume" sobre ser uma mulher preta em um mundo no qual o padrão de beleza é o da mulher branca europeia. Outro grande momento do álbum é a faixa “Ain’t Got No” da Nina Simone, que possui trechos de A Noite Não Adormece nos Olhos das Mulheres, da escritora Conceição Evaristo.

Bom Mesmo É Estar Debaixo D'Água é um álbum sincero e que mexe com o ouvinte desde a primeira música. Um dos melhores discos nacionais de 2020 e que merece ser citado em todas as listas de melhores do ano.



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