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Como o Beck foi salvo pelos Dust Brothers de se tornar “One-Hit Wonder” com Odelay

 


Com o aniversário de 20 anos de Odelay, nós conversamos com os seus produtores – Dust Brothers – e o homem responsável pela sua contratação pela Geffen para se ter uma ideia do que o Beck pretendia naquele momento: algo mais parecido com Paul's Boutique dos Beastie Boys do que a geração de rock alternativo que abraçou ele

 

Em 1997, um pouco depois de um ano do lançamento do seu segundo disco Odelay, um Beck de 26 anos apareceu no “The Late Show With David Letterman” para uma apresentação ao vivo e uma breve entrevista. “Seu último nome é Hansen. Você é parente dos Hansons?” Letterman perguntou, se referindo ao trio pop por de trás de “MMMBop”.

“Eles são um bando de hologramas que eu projeto do meu quinto chacra,” Beck respondeu. Letterman rapidamente mudou de assunto, incerto de como lidar com excêntrica resposta. A breve troca mostrou um jovem, músico confiante que não parecia estar preocupado com o que as pessoas poderiam pensar dele.

Por mais de 20 anos, o senso de humor bizarro de Beck e a sua natureza excêntrica permaneceram constantes; essas qualidades andam de lado a lado com o seu padrão de produzir o inesperado. A resistência de Beck de ser colocado em um especifico gênero foi estabelecido cedo em sua carreira. Alguns anos como um músico de folk fracassado, ele se tornou um sucesso em 1993 com o lançamento independente do hino hip-hop-encontra-country “Loser”. O refrão bilíngue sobre um riff estridente de guitarra apresenta Beck orgulhosamente (e repetidamente) declarando sua própria inépcia.

A música atingiu a 10ª posição na Billboard Hot 100 e vendeu mais de 600 mil cópias apenas nos Estados Unidos. De repente, a massa do rock alternativo dos anos noventa tinha encontrado seu próximo Kurt Cobain – todos queriam ser um “perdedor” (Loser). Uma grande guerra de lances entre as gravadoras se seguiu e Beck eventualmente assinou com a Geffen Records, através do gerente de A&R Mark Kates.

“Thurston Moore visitou a cidade e estava tipo, ‘Quem é esse cara Beck que todos estão falando?’” Kate contou recentemente. “Naquela época, Beck tinha um tipo de existência quieta, eu não acho que ele tinha um círculo social muito grande na sua vida. Tudo mudou dramaticamente de várias maneiras e de uma vez só.”

Enquanto Beck assinava com a Geffen e lançava seu primeiro disco, Mellow Gold, em 1994, “Loser” já estava no Top 40. Nos dois anos seguintes, Beck foi trabalhar no seu segundo lançamento, um disco que os críticos achavam que ia ser um fracasso – uma manchete do LA Times dizia: “Não fique zangado com a gente, Beck: Graças ao rap-folk ‘Loser’, o músico de 23 anos é uma das figuras mais quentes que emergiram na cena rock de L.A. em anos. Mas gora que ele é conhecido pelo país inteiro, como ele vai administrar essa atenção?” Como o preguiçoso de cabelo desgrenhado de Silver Lake poderia ser algo mais do que um homem de um sucesso apenas?

Entram em cena: The Dust Brothers, que conheceram o Beck na Geffen ou quando ele apareceu na casa deles em 1994, dependendo de qual dos Dust Brothers você pergunte. E.Z. Mike (Mike Simpson) e King Gizmo (John King) fizeram nome no final dos anos 1980, produzindo oito faixas do disco Lōc-ed After Dark (incluindo “Wild Thing”) do Tone Lōc e duas faixas da estreia do rapper Young MC Stone Cold Rhythm. Mas foi o trabalho pesado de samples no disco Paul’s Boutique dos Beastie Boys que levou Beck a recrutar os caras para seu próximo projeto (digno de nota, os Dust Brothers também produziram “MMMBop” do Hanson). A parceria parecia estranha olhando de fora, considerando as raízes de Beck na música folk, mas os Dust Brothers eram agora para o Beck o que eles foram para os Beastie Boys naquele momento: alguém que levasse ele além do seu grande hit. “Mesmo que tivéssemos lançado algumas coisas legais, fomos uma escolha inteligente e perspicaz para ele fazer”, disse King.

Após o lançamento de License to Ill dos Beastie Boys e seu single de sucesso, “Fight for Your Right to Party,” poucos acharam que o disco seguinte conseguiria ficar no mesmo nível. “Eu estou certo que as pessoas acharam que os Beasties era uma banda de um sucesso só, mas eu achava diferente,” King contou recentemente. “‘Fight for Your Right to Party’ era uma das suas piores músicas.’” Então veio Paul’s Boutique, um álbum referência para a história do hip-hop. Assim como os Dust Brothers ajudou os Beastie Boys se livrarem da sua reputação de festeiros de piscina, eles também permitiram que Beck fosse além das dez palavras que definiam ele naquele momento: “I’m a loser baby, so why don’t you kill me?”


Em 1994, os três se instalaram na casa de King e Simpson em Silver Lake. “A maneira como as coisas funcionavam é que a gente tocava uns discos para ele”, disse King. “A gente tocava algo que fazia a gente rir. Várias vezes, não era algo planejado. Ele era o cara que dizia, ‘Vamos fazer uma música através disso’, ou, ‘A gente pode fazer um loop disso?”’

A tendência de Beck por surpresas encontra os gostos abrangentes de King e Simpson no primeiro single de Odelay “Where It’s At,” um delicioso rap-rock desconectado que possui samples que, sinceramente, não tem nada que estar perto um do outro. “A gente escutava as coisas e cada sample ou experimentávamos ou nos inspirávamos,” disse King. “Geralmente era umas coisas ridículas. A gente ficava, ‘Deus, isso é muito não cool’, que fazia a gente rir. Então a gente tentava fazer uma música que não era cool, igual ao sample que a gente tinha escutado.” Para “Where It’s At,” isso significava “Get Out of My Life, Woman” do Lee Dorsey e diálogos de um álbum obscuro de educação sexual, entre outras esquisitices.

Enquanto Mellow Gold tem uma polinização cruzada de gêneros como o folk e a psicodélica, Odelay tenta casar esses sons (e outros, incluindo jazz, blues, country e o rock alternativo da época) com texturas e ritmos do hip-hop. “O hip-hop era muito importante para ele,” diz Kates. “Representar a sua versão daquilo era muito importante.” Músicas como “Novocane” e “High 5 (Rock the Catskills)” tem os raps monótonos de Beck com compassos inescrutáveis ​​como “Cyanide ride down the turnpike/After hours on the milacle mic.” Essas linhas, combinadas com camadas de loops e samples, criaram um disco que se conecta mais com os Beasties e com rappers clássicos como Grandmaster Flash, do que com o som mais direto e simples do Beck no rock alternativo. “Para mim, Odelay é hip-hop,” disse King. “Nós estávamos aplicando as técnicas que a gente aprendeu tentando emular a Boogie Down Productions. O jeito que a gente colou tudo junto era o jeito que a gente fazia rap.”


Embora Paul’s Boutique seja claramente um disco mais de rap do que Odelay, o link entre os dois é inquestionável, do compartilhado sons de Minimoog aos samples de Sly and the Family Stone e DJ Grand Wizard Theodore. King e Simpson são os primeiros a admitir essas conexões. “Eu acho que ambos são colagens,” Simpson diz. “Rap já vinha sampleando há muitos anos, mas nunca naquela densidade, meio que distorcendo o gênero.”

Odelay contém samples, mas não tantos como em Paul’s Boutique, sendo que apenas “B-Boy Bouillabaisse” possui 25 deles. De acordo com Simpson, Beck era muito mais interessado em tocar a música ele próprio. “Foi a primeira vez que a gente trabalhou com alguém que podia tocar cada um dos instrumentos, e várias vezes a gente colocava para tocar uns discos para o Beck e ele então pegava um instrumento e, ou começava a tocar o riff, ou chupava aquele riff”. O resultado é um disco muito mais musical. Ao invés de samplear “I Can Only Give You Everything” do Them em “Devils Haircurt”, Beck tocou o riff de guitarra ele próprio. Enquanto Adam Yauch tocou baixo em Paul’s Boutique, Beck tentou tocar todos os instrumentos que passaram pela sua mão. “Ele podia pegar uma cítara ou uma trompa francesa e tirar algo muito legal daquilo,” Simpson diz.


O talento de Beck não passou despercebido. “Todo tipo de pessoa tentou falar com o Beck,” King disse. “Quando a gente terminou Odelay, o rumor que eu escutei era de que o Rick Rubin tinha buscado o Beck no seu Rolls Royce e eles andaram por aí escutando o disco. Rick disse para ele que ele não deveria lançá-lo. Ele disse que eles deveriam começar a trabalhar juntos.”

Mas Beck acabou não trabalhando com Rubin. Fiel à forma, ele seguiu seu caminho, lançando o inovador álbum no dia 18 de junho, 1996. A recepção foi impressionante de uma forma que poucos poderiam ter previsto: Odelay não apenas acabou aparecendo em diversas publicações de melhores do ano, mas foi um sucesso com o establishment, conquistando a nomeação de “Disco do Ano” no Grammy do ano seguinte. Sem surpresas, Beck perdeu para Celine Dion, mas ele levou para casa naquele ano outros dois Grammys de gênero (e, de forma polêmica, ganhou o prêmio AOTY no ano passado).

Embora seja difícil de imaginar o toque de um músico branco de folk no hip-hop sendo tão universalmente aceito agora como há 20 anos, a atitude livre de Beck, combinada com o método “cortar e colar” agora popular dos Dust Brothers, criaram um álbum que continua a parecer contemporâneo. Beck iria se reunir com os Dust Brothers e retornar a este tipo de estilo em Guero, de 2005, mas os resultados simplesmente não foram tão atraentes. Talvez tenha algo a ver com o tempo de Odelay. Em 1996, quando os gêneros eram mais claramente definidos e as bandas de rock alternativo se mantinham bem dentro de suas linhas, Beck, E.Z. Mike e King Gizmo deram uma guinada inesperada, levando o público mainstream para um passeio.

“O álbum parece uma cápsula do tempo de todas essas ideias e sons diferentes”, disse Simpson. “É emblemático de uma época em que parecia que qualquer coisa poderia ir.”


O texto acima é uma livre tradução do texto publicado em 17 de junho de 2016 na Pitchfork.

Texto original: https://pitchfork.com/thepitch/1195-how-the-dust-brothers-saved-beck-from-becoming-a-one-hit-wonder-with-odelay/

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