"Malandro, se você vai fazer um
documentário sobre o Castor de Andrade e não tiver jogo de bicho, futebol e
carnaval, a gente está jogando conversa fora, a gente vai falar do quê?" É
assim que o ex-jogador de futebol Domingos Elias Alves Pedra, mais conhecido
como Dé Aranha, define um dos maiores personagens do futebol brasileiro e do
Rio de Janeiro, o bicheiro Castor de Andrade, na nova série da Globoplay.
Lançada no dia 11 de fevereiro na
plataforma de streaming, a série é composta por quatro episódios de uma hora
cada um e conta sobre um dos banqueiros de bicho mais conhecido do Brasil. Além
de contraventor, Castor foi por muitos anos presidente de honra e financiador do
Bangu Atlético Clube. Já nos anos setenta, se tornou o patrono da escola de
samba Mocidade Independente de Padre Miguel, ajudando a escola a conquistar
títulos em cinco carnavais. Essas três “paixões” de Castor, formam o enredo da
série documental “Doutor Castor”.
O dinheiro que financiava o clube vinha
do jogo do bicho. Um dos pontos mais interessantes da série é explicar o que é
o jogo do bicho, sua origem e como ele era uma forma importante de fonte de
renda para trabalhadores que tinham problemas para entrar no mercado de trabalho
brasileiro, como por exemplo antigos escravos e imigrantes que tinham acabado
de chegar no país.
Além disso, a série mostra como esse
tipo de contravenção se transformou em um tipo de máfia. No começo dos anos
setenta, a cidade do Rio de Janeiro é dividida entre os bicheiros. Com uma
cúpula formada, quem ameaçasse essa cadeia de poder, era eliminado. Um exemplo
disso foi o China Cabeça Branca. Bicheiro da década de 30, ele tinha a utopia
de tornar o jogo do bicho em algo legalizado. Dessa forma, ele começa a fazer
denúncias públicas a respeito do jogo do bicho. “Um dia, na avenida Maracanã,
indo para casa, na praça da Bandeira, param o carro, metralham o China Cabeça
Branca e ele morre naquele momento”, conta o jornalista Aloy Jupiara.
Outro exemplo disso é a morte do
policial Mariel Mariscot. Policial dos Homens de Ouro da Polícia carioca, um
grupo com licença para matar, Mariel se torna bicheiro. Conhecido por namorar
celebridades, ele foi executado a luz do dia quando estava se dirigindo para
uma reunião da cúpula dos bicheiros. “De pequenos a grandes bicheiros, houve
uma matança associada a esse processo de unificação do jogo do bicho no Rio de
Janeiro,” explica o jornalista Chico Otavio na série.
Financiado também pelo jogo do bicho, o
carnaval também era outra das paixões de Castor. Nos anos setenta, o bicheiro
se torna o patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. A
série explica que entre os anos 60, 70 e 80, diversos bicheiros tomaram o poder
em pequenas escolas de samba. Com o interesse da classe média pelo carnaval,
esses bicheiros viram uma oportunidade de legitimarem seus papeis na sociedade.
Após a construção do Sambódromo, em
1984, uma liga das escolas de samba é criada, com o intuito de profissionalizar
o carnaval do Rio de Janeiro. A série mostra que antes da criação dessa liga, o
carnaval era administrado por uma associação de 40 escolas de samba. Todas as
decisões relacionadas ao desfile eram tomadas por essa associação. Incomodados
com esse sistema, os bicheiros, encabeçados por Castor, decidem criar a LIESA
(Liga Independente das Escolas de Samba). O intuito, claro, era de um maior
domínio dos bicheiros perante o evento e a chance de se relacionarem com o
poder público com mais facilidade.
Falando em poder público, a série
também mostra, com uma riqueza de fatos, a relação de Castor de Andrade com
todas as esferas públicas. Mas a relação dele com a ditadura militar é bem curiosa.
A série explica que quando houve o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), em 1968, não
apenas inimigos do regime e as organizações de esquerda foram perseguidas, os
bicheiros também.
O regime militar queria provar para a
sociedade os seus bons propósitos e os bicheiros eram vistos como um mal para a
sociedade, pois viviam da jogatina. Dessa forma, os principais nomes do jogo do
bicho foram presos. Castor serviu pena durante quatro meses na Ilha do
Governador, porém não era um preso comum. Já que tinha curso superior, passou
esse tempo detido com diversas mordomias, a série mostra.
Já nos anos oitenta, para dar uma
cobertura legal aos ganhos ilícitos do jogo do bicho, Castor começa a investir
em negócios legais. Um desses empreendimentos foi uma metalúrgica. Essa
empresa, inclusive, chegou a ganhar concorrências de fornecimento para as
forças armadas. Um dos sócios dessa metalúrgica era sogro do filho do então
presidente da república João Figueiredo. “Esse mesmo Castor, preso pelo regime,
nos anos oitenta, através da sua metalúrgica, ele vira um fornecedor do
exército. Ele não vira apenas um fornecedor de panelas, cantil, ele passa a
frequentar as altas rodas do governo Figueiredo,” explica Chico Otavio.
Apesar de ser rica em cenas de arquivo
e contar com depoimentos de jornalistas, ex-jogadores de futebol, juristas,
historiadores, economistas, entre outros, a série peca ao tratar o papel da
imprensa na construção simpática de um criminoso notoriamente conhecido.
Durante os quatro episódios, a série dedica apenas poucos minutos para tratar
desse assunto, e de forma bem superficial. Para o ex-manda-chuva da TV Globo, José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, Castor era apenas um contraventor.
“Doutor Castor” é uma série rica em detalhes e que mostra a construção e a derrocada de um dos principais criminosos do Brasil, além de apresentar para uma geração uma parte da história do Rio de Janeiro que muitos não conhecem.
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