Roberto Carlos completou 80
anos no último dia 19 de abril. Para comemorar a data, diversos famosos
homenagearam o artista em suas redes sociais, casos de Caetano Veloso, Gal Costa,
Djavan, Marisa Orth, Tata Werneck, entre outros. O reality show Big Brother
Brasil também prestou homenagens. Os participantes responderam perguntas
inspiradas nas músicas do cantor, além de terem assistido ao especial de 80
anos do Rei. O Jornal Nacional, outro programa da Rede Globo, emissora na qual
Roberto possui um contrato de exclusividade, exibiu uma entrevista com o
aniversariante por telefone. Roberto falou sobre os cuidados que tem tomado
durante a pandemia, como ela afetou seus projetos, que incluía um show de
aniversário em Cachoeiro de Itapemirim, sua terra natal, além de como é chegar
aos 80 anos de idade. “Eu acho que eu sou um cara de 30, 40 com experiência de
80. É assim que eu me vejo”, contou o artista para o repórter Pedro Bassan.
Outro fato que marcou essa
data tão importante, foi o lançamento de alguns livros que falam sobre a vida e
obra do aniversariante. Um deles foi escrito pelo jornalista Jotabê Medeiros. Editor
de cultura da revista Carta Capital, “Roberto Carlos: Por isso essa voz tamanha”
é a terceira biografia escrita por Jotabê, que antes já havia biografado outros
dois astros da música brasileira, Belchior e Raul Seixas. Com quase 500
páginas, Jotabê tenta traçar a história desse artista tão singular na história
da música brasileira e na vida de todos os brasileiros.
Com mais de 60 anos de
carreira, o capixaba já vendeu mais de 140 milhões de discos e se tornou um dos
artistas mais bem sucedidos do Brasil. Jotabê mostra no livro que um dos
motivos para essa trajetória de sucesso ter dado tão certo é que o Rei se
cercou, e continua se cercando, das pessoas certas. Uma dessas pessoas é Erasmo
Carlos.
O autor fala que a
princípio os dois não tinham nada a ver. Alto e fisicamente ágil, Erasmo tinha
a sabedoria e malandragem das ruas. Filho de mãe solteira, cresceu pelas ruas
do Rio de Janeiro e antes de se aventurar na música passou por diversos
empregos, como ajudante de pedreiro e office-boy. Com um temperamento impulsivo
e pouco diplomata, duas qualidades que não fazem parte do perfil de Roberto,
foi o gosto musical que uniu os dois jovens rapazes. “Eram o côncavo e o
convexo, mas os santos miraculosamente bateram: logo depois do primeiro
contato, tornaram-se inseparáveis. Havia em Erasmo uma versatilidade que
maravilhava Roberto, um faro inato para o novo, para a vertigem. Foi Erasmo,
por exemplo, quem descobriu o teclado para a música moderna brasileira, o
Roberto foi um dos primeiros a usufruir da descoberta”, conta o jornalista.
Os dois fizeram parte da
Jovem Guarda, movimento cultural que surgiu no começo da década de sessenta e
que misturava música, principalmente o rock, comportamento e moda. Jotabê conta
no livro que esse movimento pode ter surgido graças a uma banal infidelidade
conjugal. Na época, a TV Record perdeu os direitos de transmissão do futebol
paulista aos domingos. Durante a transmissão de uma partida, as câmeras
flagraram o então presidente da Federação Paulista de Futebol na tribuna com
uma mulher que não era a dele, dando a maior confusão. Paulo Machado de
Carvalho, dono da TV Record, se viu pressionado a colocar um programa-tampão no
lugar. Esse programa, no qual o mandatário já pensava que deveria ter como foco
a juventude do iê-iê-iê, seria a “Jovem Guarda”.
A amizade de Roberto e Erasmo
também rendeu alguns dos principais sucessos da nossa música, como “O
calhambeque”. O autor conta que a canção surgiu a partir de uma música do
compositor norte-americano John D. Loudermilk. Assinada por ele e pela mulher,
Gwen Ludermilk, “Road Hog” serviu de base para “O calhambeque”. Erasmo, que já
tinha curtido uma outra composição de Loudermilk de 1961, ouviu a música e
decidiu fazer a sua versão, bem mais livre. “Roberto Carlos, seu parceiro,
adorou e gravou, mimetizando até os vrrrummms, barulhos de gravação
(feitos, no original, por um amigo de Loudermilk, Norro Wilson) e gargalhada do
cantor em sua interpretação original”, conta Jotabê.
Infelizmente a carreira do
Rei não foi feita apenas de sucessos. Ao longo dessas seis décadas de reinado,
Roberto Carlos também se envolveu em uma série de polêmicas. Talvez a mais
conhecida seja sobre a biografia escrita por Paulo Cesar de Araújo, “Roberto
Carlos em Detalhes”. Irritado com o lançamento, Roberto conseguiu na justiça
que o livro fosse proibido e retirado das lojas, atitude que gera críticas a
ele até hoje. Mas essa não foi a primeira biografia que o cantor conseguiu
fazer “sumir do mapa”.
Jotabê conta em seu livro
que no final dos anos setenta, o ex-mordomo do músico, Nichollas Mariano,
decidiu escrever sobre sua experiência com o cantor em alguns cadernos de
anotações e até em sacos de padaria. Essas anotações caíram nas mãos do editor
Roberto Goldkorn, da pequena Ediplan, que na época estava buscando algo de
impacto para publicar. “Quando soube da intenção do ex-mordomo de publicar
memórias com ele como centro de tudo, Roberto Carlos enviou seus advogados para
pedir uma cópia do livro. Queriam ler antes da publicação,” conta o autor. Roberto
não gostou das “revelações” do ex-funcionário e, em plena ditadura, conseguiu
na justiça o embargo da venda e distribuição de “O rei e eu: Minha vida com
Roberto Carlos”, que hoje pode ser encontrado no Mercado Livre por no mínimo R$
250,00.
Mas talvez uma das partes
mais interessantes desse livro, e que torna ele único, seja o fato de que em
alguns momentos Jotabê conta algumas de suas experiências cobrindo a trajetória
de Roberto. Como muitos dos brasileiros, a música do Rei também fez, e continua
fazendo parte da vida do jornalista. O autor conta que quando estava começando
a sua carreira, em 1986, no jornal “Folha de Londrina”, foi escalado para fazer
uma entrevista com o cantor no hotel que ele estava hospedado na cidade.
Durante a caminhada de duas quadras entre a redação e o hotel do cantor, Jotabê
começou a cantarolar músicas do Rei na sua cabeça. “Assombrosamente, eu
conhecia um Roberto Carlos para cada situação sentimental da minha vida,
conhecia as canções ecológicas, as moteleiras, e brincava com o coro de
crianças de uma das mais famosas fazendo coro de criancinha, jocosamente,”
conta ele.
“Roberto Carlos: Por isso
essa voz tamanha” é uma ótima biografia, principalmente para aqueles que estão
começando a adentrar ao universo desse artista tão transversal, que surfou nas
ondas do rock, apaixonou uma geração de fãs com seu jeito de amante a moda
antiga e acendeu o fogo da black music no final dos anos sessenta. Além disso,
coloca Jotabê Medeiros como um dos principais biógrafos do nosso cancioneiro
popular.
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