O que você faz quando ninguém se interessa em lançar a música da sua banda? No caso de um jovem da Califórnia chamado Greg Ginn, você monta a sua própria gravadora e se torna o som do underground nos Estados Unidos. Esse é o tema do novo livro do escritor Jim Ruland, lançado no mês passado na terra do Tio Sam. Para quem não conhece as credenciais de Jim, ele em 2016 escreveu o livro “My Damage”, em parceira com Keith Morris, membro fundador da Black Flag, Circle Jerks e OFF!, e em 2020 “Do What You Want”, obra que narra a trajetória da influente banda de punk/hardcore Bad Religion. Portanto o cara entende de punk rock e hardcore. Em “Corporate Rock Sucks: The Rise & Fall of SST Records”, ele narra a história da gravadora que lançou discos históricos de bandas como Black Flag, Minutemen, Hüsker Dü, Bad Brains, Sonic Youth, Dinosaur Jr, Screaming Trees, Soundgarden, entre outros.
Para
entender um pouquinho melhor o contexto do livro, Los Angeles na segunda metade
dos anos 1970 era um local frustrante para aquelas bandas que tinham algo para
dizer. Donos de bares e clubes noturnos com música ao vivo insistiam que as
bandas tocassem covers das paradas de sucesso, um tipo de música que ficou conhecido
como na época como “easy listening”. As bandas punks que estavam surgindo eram
as mais prejudicadas, porém os selos independentes ajudaram esses grupos a
quebrarem as barreiras impostas pelo rock corporativo. “Esses selos operavam
por razões que não tinham nada a ver com a fantasia do rock and roll de ficar
rico e famoso: de fazer arte, de documentar a cena, de criar algo novo e provar
que qualquer pessoa poderia fazer,” aponta Jim no livro.
Foi
nesse cenário que surgiu a SST. Fundada por Greg Ginn na década de 1960, a Solid
State Tuners começou como uma empresa que vendia equipamentos eletrônicos
através do correio. Jim explica no livro que a SST Electronics oferecia uma
extensa linha de equipamentos e a patente exclusiva de alguns produtos gerava
uma receita significativa. Porém a transformação da SST em gravadora
aconteceria a partir do lançamento do EP “Nervous Breakdown” (SST 001), a
estreia da Black Flag, banda de Ginn. O EP, segundo Jim, se tornaria um ponto
de transição para a empresa e o rock nunca mais seria o mesmo.
Um
dos pontos mais interessantes que Jim aborda no livro foram as formas que a SST
utilizou para conquistar o interesse do público e o respeito das bandas que
estavam surgindo. Uma das táticas utilizadas era estar sempre em turnê e levar
o evangelho do hardcore para fora de Los Angeles, já que em muitas partes dos
Estados Unidos esse tipo de som mais agressivo e rápido ainda era meio que
novo. Um desses lugares que a SST teve bastante impacto foi Seattle. Jim conta
que durante os shows da turnê My War Tour, em 1984, Kim Thayil, Mark Arm e Kurt
Cobain estavam na plateia para ver a Black Flag e o Meat Puppets. Os três se
tornariam personagens centrais do movimento grunge que tomou de assalto o mundo
da música no começo dos anos 1990.
Outro
ponto bem legal do livro é que Jim conta algumas curiosidades dos discos mais importantes
lançados pela SST. Um desses discos é o “Double Nickels on the Dime”, do trio Minutemen.
Com os riffs agudos de guitarra de D. Boon, o proeminente groove de baixo de
Mike Watt e a bateria implacável de George Hurley, o álbum é considerado por
muitos críticos e fãs da banda como sua obra prima. Para quem não sabe, uma das
influências do trabalho foi o livro Ulisses, clássico romance do escritor irlandês
James Joyce. Antes de gravar o disco, Watt tinha acabado de ler a obra e o
livro teve um efeito inspirador nele. “Ulisses tem uma reputação de ser
impenetrável, um livro que as pessoas começam mais não terminam, mas a obra
prima de Joyce é recheado de trepar,
brigar, beber e cantar. É um trabalho de alta arte e uma celebração da vida
ordinária de pessoas ordinárias. Esse norte que a arte pode ser os dois, de que
pode ser várias coisas, é a marca de Double Nickels on the Dime”, analisa Jim
sobre o álbum.
Porém nem tudo são rosas na trajetória da gravadora. Apesar de ter construído ao longo dos anos uma ótima reputação no underground, a SST aos poucos começou a agir como uma grande gravadora, e no pior sentido da palavra. Jim mostra no livro que a gravadora aos poucos começou a utilizar artifícios que iam contra a filosofia original do “faça você mesmo” do punk rock. Uma das primeiras bandas que sentiram a ira de Greg foi o Meat Puppets. Após deixar a SST no começo dos anos 1990 pela London Records, Jamie Kitman, empresário do grupo, encontrou várias irregularidades com relação as declarações de royalties. Após receber uma carta de Kitman, Ginn processou a banda, que processou de volta o guitarrista. Um acordo extrajudicial foi feito entre as partes, mas se “utilizando de ferramentas do rock corporativo, a SST estava violando uma lei não escrita da estética indie. Que tipo de gravadora processa sua própria banda? Infelizmente, a SST estava apenas começando,” pontua o autor no livro.
“Corporate Rock Sucks” ainda aborda os
problemas das bandas de hardcore com a polícia de LA no início dos anos 1980, o
relacionamento da SST com a mídia, os problemas legais com o Negativland, após
eles lançarem um single com o título de “U2”, entre outras ótimas histórias a respeito
de uma das gravadoras mais interessantes e influentes da música. Infelizmente o
livro ainda não ganhou uma versão em português, mas não custa nada torcer para
que uma editora nacional sem interesse pela obra e faça uma tradução para os
fãs brasileiros.
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