A 26ª edição da Copa do Mundo de futebol masculino ocorre nesse ano no Catar
entre os dias 21 de novembro e 18 de dezembro, portanto estamos às vésperas do
maior espetáculo da Terra. Aproveitando a oportunidade, a Editora Grande Área recentemente
lançou em português a última obra do jornalista escocês Andrew Downie, “México
70: A mais bela Copa do Mundo contada por seus protagonistas”. Como o título já
entrega, o livro trata da edição que ocorreu no México em 1970, uma das mais
importantes da história, que reuniu diversas novidades, além de ter consagrado
o Brasil de Pelé e companhia como um dos maiores times de todos os tempos. Além
disso, o livro é uma história oral, portanto é contada pelos próprios jogadores
que atuaram naquela edição, o que torna o projeto ainda mais especial.
Com cerca de 350 páginas, o livro reúne diversos aspectos importantes
daquela Copa, um deles sendo a preparação das seleções para a Copa. Considerado
como um fator chave para o sucesso de uma seleção dentro da Copa do Mundo, no
final dos anos 1960 alguns países tratavam essa questão ainda de forma bem
amadora e pagaram caro no México. Uma dessas seleções foi a Bulgária. O
zagueiro Dimitar Penev conta que os membros do governo soviético, responsáveis
pelo time no torneio, decidiram limitar o acesso de água dos jogadores. “A
gente recebia um copo de 200 ml de água no café da manhã, depois outro do mesmo
tamanho no almoço e um terceiro na hora do jantar. Isso enquanto treinávamos
sob o sol escaldante”, relata ele no livro. Obviamente que a ideia não deu
muito certo e a equipe búlgara foi eliminada na primeira fase, terminando a sua
participação na Copa com apenas um ponto dos nove disputados. “No fundo,
sabíamos que esses métodos de treinamento prejudicariam nossa equipe, mas não
havia o que fazer. Não demorou para que ficássemos absolutamente sem energia.
Era uma situação ridícula – você tentava fazer seu corpo reagir, mas ele
simplesmente ignorava os comandos do seu cérebro. Estávamos exaustos”, concluiu
Penev.
Porém, ao contrário de algumas seleções, Andrew conta no livro que o
Brasil se preparou muito bem para o torneio, com um cronograma de treinos
baseado praticamente nos testes aeróbicos que a Nasa aplicava em astronautas. O
capitão do time, o lateral Carlos Alberto, conta que a CBD (atual CBF) levou os
jogadores para treinar na altitude um mês antes do campeonato para eles se
aclimatarem. “Saímos do Brasil quarenta dias antes do início da Copa, passamos
alguns dias em Guadalajara, não muitos, e depois para Guanajuato e Irapuato,
cada lugar um pouco mais alto que o anterior. Aí quando voltamos para
Guadalajara, ficamos dez, doze, quinze dias por lá para as partidas da primeira
fase e, depois disso, para as quartas e a semifinal. E a gente tinha pulmão
para isso tudo. Estávamos em ótima forma”, lembra o Capita. Já o técnico da
seleção, Zagallo, aponta no livro que por conta dessa preparação física o
Brasil conseguiu vencer a maior parte dos jogos no segundo tempo.
Outro ponto bem legal que Andrew trata no livro é a respeito dos
famosos gols que Pelé não fez na Copa. Um desses lances famosos aconteceu
contra a Inglaterra na primeira fase do torneio. Campeão mundial em 1966, o
escrete inglês era um dos favoritos para o torneio e o jogo contra o Brasil
reunia os campeões das últimas três Copas do Mundo, portanto uma das partidas
mais esperadas da edição. Aos dez minutos da partida, Jairzinho cruzou uma bola
na área do time inglês e Pelé subiu mais alto que os zagueiros e cabeceou a
bola no chão, obrigando o goleiro Gordon Banks a fazer uma defesa fantástica que
entrou para a história do futebol. Banks conta no livro que tinha visto os
goleiros mexicanos e sul-americanos usarem um tipo de luva diferente e resolveu
experimentar na partida contra o Brasil. “Eram maiores que as dos britânicos,
com palmas cobertas por uma borracha furadinha. Tinha ficado tão impressionado
com essa inovação que comprei dois pares. Esses pequenos furinhos na borracha
ajudavam: a bola que veio quicando, não desviou imediatamente da minha mão e
assim consegui mandá-la para mais alto,” relembra o goleiro. Pelé, por sua vez,
afirma no livro que essa foi a defesa mais difícil da Copa do Mundo, uma
cabeçada difícil e surpreendente, no cantinho do goleiro. “O mergulho do
goleiro foi instantâneo e eficiente”, declara o Rei.
Mas talvez o grande mérito do livro sejam as histórias por trás dos
jogos da Copa. Como o livro traz relatos de cada uma das 32 partidas do
torneio, existem algumas histórias que são ótimas, principalmente levando em
conta que elas ocorreram há mais de 50 anos atrás, numa época muito diferente
da atual. Uma dessas histórias ocorreu no confronto entre Alemanha Ocidental e
Inglaterra pelas quartas de finais. Perdendo por dois gols de diferença, o time
alemão conseguiu empatar a partida aos 37 minutos do segundo tempo e virar o
placar na prorrogação, para desespero dos atuais campeões. Por conta de uma
intoxicação alimentar antes do jogo, um dos principais astros do time inglês, o
goleiro Gordon Banks, teve que acompanhar o jogo pela televisão no seu quarto
de hotel.
Andrew conta no livro que, para impulsionar a venda dos ingressos da
Copa do Mundo, alguns jogos eram transmitidos uma hora depois de terem
começado. Portanto Banks ainda estava assistindo a vitória da Inglaterra quando
seus companheiros de time voltaram para o hotel. “Cerca de 25 minutos depois, a
porta do meu quarto se abriu e o Bobby Moore, o Brian Labone, o Alan Mullery e
o Alan Ball entraram. Estavam com rostos sombrios, mas eu não ia cair na piada
deles. Afinal, na televisão, ainda estávamos dois gols a frente”, conta ele. A
ficha de Banks só caiu quando Bobby Charlton entrou no quarto com lágrimas no
rosto. “Não assisti ao restante da transmissão, nem os melhores momentos
editados que eram exibidos no final do dia. Simplesmente não consegui me sentar
para assistir. Até hoje ainda não vi a partida inteira,” relembra o goleiro
inglês.
Além disso, Andrew fala do jogo do século (Alemanha x Itália), do
legado que a seleção brasileira deixou no futebol após a conquista do seu
terceiro título em Copas do Mundo, as polêmicas de arbitragem, a participação fenomenal
do rei do futebol no torneio, entre outras tantas histórias do maior espetáculo
que o futebol já concebeu. Um livro imperdível não apenas para os amantes do
futebol e do esporte em geral, mas para todos que gostam de boas histórias,
contadas principalmente pelos próprios protagonistas.
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