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Já leu? #06: Hard To Handle - Steve Gorman

 


Nesta semana, o Black Crowes anunciou a turnê sul-americana em comemoração aos 30 anos do lançamento do primeiro disco da banda, “Shake Your Money Maker”. Até o momento, serão quatro apresentações em março do ano que vem, sendo apenas uma no Brasil, no dia 14 de julho, em São Paulo. Lançado em 1990, o álbum vendeu milhões de cópias e rendeu diversos hits para os Crowes, como a balada “She Talks to Angels". Em 2020, o grupo, agora com apenas os irmãos Robinson da formação original, anunciaram que iriam cair na estrada tocando o disco na íntegra. Por conta da pandemia de Covid-19, o início da turnê foi adiada para julho de 2021, no Estados Unidos. Mas, para quem é fã de carteirinha da banda, uma ausência foi sentida: a do baterista Steve Gorman.

Em uma recente entrevista para o portal australiano The Rockpit, o guitarrista Rich Robinson contou que um dos motivos para não trazer de volta Steve é por conta que o baterista sempre tentou criar na banda uma divisão entre ele e o irmão Chris. “Eu e Chris podemos explicar por nós mesmos como lidamos um com o outro e como lidamos com os nossos próprios gatilhos como irmãos. Mas não podemos explicar por outras pessoas suas agendas negativas e que trazem negatividade para nós”, ele contou. Porém, talvez um dos principais motivos para Steve ter sido escanteado dessa nova “reunião” dos Crowes é o seu livro de memórias, “Hard To Handle: The Life And Death Of The Black Crowes".

Lançada em setembro de 2019, Steve conta a sua história em uma das bandas mais legais e interessantes da história do rock. Formada nos anos 1980, a banda teve seu auge no começo dos anos 1990, apresentando um som bem diferente do grunge que vinha de Seattle e dominava as rádios e a MTV na época. Os Crowes mostravam um som mais voltado para o rock clássico dos anos 1960 e 1970. Steve conta no livro que quando a banda se formou, a principal influência eram as bandas indie da época. Porém, o produtor do primeiro disco, George Drakoulias, começou a empurrar a banda para um caminho diferente. “A gente passou meses estudando Stones, Faces, Humble Pie, até os discos da Allman Brothers Band – coisas que a gente tinha escutado durante toda as nossas vidas, mas nesse momento a gente estava escutando com um novo propósito. A gente estava tentando achar uma forma, tentando descobrir um caminho para chegar naquele nível. Eu mudei completamente o meu estilo”, o baterista relembra.


Steve conta diversas histórias desse começo de carreira do grupo, e uma das mais inusitadas é de quando Rick Rubin sugeriu um novo nome para a banda. Antes de se chamar Black Crowes, o grupo vivia sob a alcunha de Mr. Crowe's Garden, porém, o lendário produtor não era muito fã desse nome. “Rick gostava da parte do ‘Crowe’, mas ele achava que a gente deveria mudar para algo mais memorável”, lembra Steve. Ele então sugeriu Cobb County, região onde os irmãos Robinson tinham morado, mas com “K” ao invés de “C”, ficando assim Kobb Kounty Krows, ou KKK. Achando que era uma piada, os integrantes dos Crowes riram, mas Rick não estava brincando, ele realmente queria que a banda se chamasse KKK, pois chamaria a atenção das pessoas. Para quem não sabe, a KKK (Ku Klux Klan) é uma organização terrorista dos Estados Unidos que se pauta pela supremacia branca. Steve lembra que Chris Robinson, vocalista da banda, ameaçou a chutar a bunda de Rick por conta da ideia insana.

O baterista também conta em seu livro diversas curiosidades que envolvem a história da banda com grandes nomes do rock, como por exemplo a relação deles com o guitarrista Jimmy Page. Para quem não sabe, os Crowes e o lendário guitarrista do Led Zeppelin uniram forças para uma série de shows em 1999, que depois se estendeu por outras cidades dos Estados Unidos no ano seguinte, tocando apenas músicas do Zeppelin e canções clássicas do blues norte americano. Além disso, o projeto rendeu o duplo ao vivo “Live at the Greek”, gravado no Greek Theatre em Los Angeles. Steve conta que quase não participou desses shows históricos. Quando a turnê do disco “By Your Side” terminou, o baterista pensou mais uma vez em deixar a banda. “Eu estava completamente em paz com a minha decisão, sentado em um barquinho num lago lindo com a minha esposa, cercado por árvores e famílias felizes de férias”, lembra Steve. Quando ele ligou para o empresário da banda para comunicar a sua decisão, Steve foi surpreendido com a informação de que Jimmy queria cair na estrada com os Black Crowes. “Minha recompensa por ter ficado por todos esses anos na banda tinha acabado de ser elevada de um show em Londres com Jimmy Page para uma porra de turnê com Jimmy Page! Minha nossa!”, relembra o músico.

A história mais memorável envolvendo Jimmy talvez seja quando ele aprendeu com Steve a tirar uma soneca antes dos shows. Steve conta que geralmente, antes das apresentações dos Crowes, ele tirava uma soneca de 20-30 minutos, para recarregar as energias. Uma hora antes do primeiro show da banda com Jimmy, em Nova York, como de costume, o baterista resolveu tirar uma soneca no camarim. “Quando eu acordei, Jimmy estava me encarando com descrença. Ele achou que eu tinha cochilado. Ele estava em choque, achando que eu era um viciado em drogas,” conta ele. Chris Robinson, rindo enquanto assistia a cena, garantiu para Jimmy que Steve estava apenas tirando uma soneca. Quando a turnê aterrissou em Los Angeles, Steve tinha algumas horas para matar antes do primeiro show e Jimmy, na porta do camarim, sugeriu que ambos tirassem uma soneca juntos. Apesar de achar estranho, ele aceitou e os dois dormiram por quase uma hora em dois sofás do camarim. “Todos nós tínhamos muito para aprender com Jimmy. Eu absorvi tudo que eu podia como uma esponja. Jimmy me ensinou tudo que eu poderia saber sobre a importância de achar uma vibração, ou o ‘espírito’ como ele chamava. Ele me disse uma noite que se você não está nervoso antes de um show, significa que você não vai fazer nada de novo...então qual é o sentido de tocar? Enquanto isso, eu ensinei Jimmy Page como tirar uma soneca antes de um show. Eu digo que estamos empatados”, relembra o baterista da relação dele com o guitar hero do Led Zeppelin.



Porém, boa parte do livro é dedicado a relação de Steve com os irmão Robinson, principalmente os episódios envolvendo ego e dinheiro. São diversos ao longo das 360 páginas do livro. Para os fãs da banda, talvez seja legal, conhecer os bastidores das brigas e polêmicas envolvendo os membros dos Black Crowes. Mas chega um ponto do livro que isso se torna um pouco repetitivo e cansativo. Steve passa uma parte considerável do livro atacando Chris e Rich, algumas vezes com razão, se considerarmos que temos apenas o lado dele dos fatos, outras nem tanto. Declarações de que Chris Robinson é um viciado e um narcisista, talvez expliquem em parte o motivo de Steve não ter sido convidado para os shows em comemoração ao primeiro disco do grupo, o que sinceramente é uma pena, considerando a importância dele para a banda.

Apesar de todas as farpas direcionadas contra os irmãos Robinson, Steve compartilha no livro alguns momentos muito bonitos de amizade com os dois. Um desses momentos ocorreu quando Stan Robinson, pai de Chris e Rich, faleceu. O baterista conta que esteve ao lado da família Robinson nos últimos dias de vida de Stan. “Havia uma verdadeira calma assim que ele soltou seu último suspiro. Ele passou por momentos muito difíceis, mas agora estava finalmente em paz. Estávamos todos chorando. Nos abraçamos e nos seguramos por alguns minutos. Eu estava honrado por estar lá com eles. Depois de tudo aquilo que a gente já tinha passado, ainda havia espaço para emoção de verdade. Toda aquela loucura parecia insignificante. Toda a banda parecia insignificante. Eu apenas me senti bem pelos irmãos serem capazes de se verem, enfim, apenas como irmãos,” relembra Steve.

“Hard To Handle: The Life And Death Of The Black Crowes" por enquanto não ganhou uma tradução para o português e foi lançada no Brasil. Talvez com a vinda do grupo para o país, após 27 anos do último show deles por aqui, alguma editora se interesse e tente capitalizar com a ideia. De qualquer forma, o livro é essencial para quem gosta da banda e quer conhecer um pouco mais da história do grupo.




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